27º DTC: O CASAMENTO É UM MOMENTO, MAS O MATRIMÔNIO É UM PROCESSO... (Cf. Pe. A. Palaoro SJ)
Neste domingo, Jesus não foca tanto na questão do divórcio, quanto à dignidade da mulher. Ele não tolera uma lei machista na qual o marido pode abandonar a esposa como se fosse uma mercadoria; situa o homem e a mulher em pé de igualdade. Desativa o machismo que leva a considerar a mulher como “propriedade” do homem.
A atitude de Jesus é coerente com toda sua trajetória: seu posicionamento decidido a favor dos “últimos”, dos “pequenos”, das “crianças”, das mulheres... Por tudo isso, não é casual que, depois deste relato apareça a cena de Jesus abraçando as crianças.
Seja qual for o motivo da pergunta feita pelos fariseus, a resposta de Jesus se centra neste ponto: “O que Deus uniu o homem não separe”. Deus não une pelas leis canônicas, mas pelo amor, a plena comunhão entre duas pessoas. Uma coisa é a indissolubilidade canônica e outra o amor fiel do casal.
No meio de uma cultura marcadamente machista e patriarcal, Jesus desativou o machismo e rompeu com tabus intocáveis, adotando uma atitude de reconhecimento e valorização da mulher em nível de igualdade com o homem; e isso desde “o princípio”, ou seja, por vontade divina.
Ao renunciar sacralizar a sociedade patriarcal de sua época, Jesus restituiu à sua fonte original a relação entre homem e mulher, o matrimônio e a família. Mulheres e homens aparecem em seu projeto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro. E no discipulado igualitário de Jesus, as mulheres encontram espaço, rompendo a ordem patriarcal.
Sabemos que o ser humano se humaniza quando em companhia, e a estável relação de casal alcança um grau mais profundo de realização humana. Este projeto matrimonial é a suprema expressão do amor humano. É Deus mesmo que atrai as pessoas para viverem unidos por um amor livre e gratuito. O matrimônio é a verdadeira escola do amor. Nenhuma outra relação humana chega a tal grau de profundidade.
O amor não é puro instinto, não é paixão, não é interesse, não é simples amizade nem simples desejo de um querer mútuo. É a capacidade de ir ao outro e encontrar-se com ele como pessoa.
“O amor é faísca de Javé” (Cant 8, 6-7)
O matrimônio, pois, não é uma realidade estática, mas dinâmica, é chama divina, projeto a ser construído cotidianamente a dois. É “comunhão de vida e de amor” porque prometem percorrer, mutuamente unidos, o caminho de sua vida, não meramente “até que a morte os separe”, mas “até que a vida inteira, percorrida em uníssono, os una por completo”.
Ao envelhecer juntos, consuma-se o matrimônio. Por isso, ao falar de “indissolubilidade matrimonial”, é preciso assumir com lucidez o caráter processual da relação de “duas pessoas unindo-se”em “comunhão de vida e amor”.
Os trâmites legais que certificam o consentimento conjugal se firmam em um momento. Mas a união de duas pessoas é um processo dinâmico e vivo que dura a vida toda.
A expressão “sim, eu quero”, não é uma fórmula mágica que produz automaticamente um vínculo indissolúvel. Para o casamento, basta meia hora; para a consumação do matrimônio “de maneira humana”, é preciso uma vida inteira.
Por isso, ao invés de usar a expressão “um casal unido”, deveríamos optar por esta outra: “um casal unindo-se”. O casamento é um momento, mas o matrimônio é um processo. Isso implica ser criativo na maneira de vivê-lo, com novas expressões e gestos... A cada dia, o casal deveria dizer, um ao outro: “Hoje eu te recebo novamente e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza...”.
A indissolubilidade matrimonial é uma meta na profunda unidade de vida:“Serão os dois um só ser”(Gn 2,24); unidade sem retalhos, na qual não se nega a diferença, mas esta fica integrada ou abraçada na Unidade maior que nada deixa fora. “Projeto a dois”, sem anular a identidade e originalidade do outro.
Por isso, nas congratulações do dia do casamento, este deveria ser o desejo expresso aos noivos: “que realizeis vossa união, acompanhando-vos mutuamente através de uma longa vida”.