Na esteira de Rosmini e do padre espanhol Luis Pose Regueiro As dez chagas da Igreja

As dez chagas da Igreja
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O poder dos padres e dos bispos, do clero, é  tantas  vezes “excessivo e distanciador”

A Igreja continua demasiado “romanocêntrica”. A mensagem do Evangelho precisa de encarnar nas várias culturas e actualizar a linguagem

Impõe-se cuidar das vítimas, que têm de ocupar o centro, fazer reparação, também financeira, sabendo que é um pecado hediondo, mas também um crime. E fica a necessidade de repensar a formação dos padres, também no domínio afectivo-sexual

O padre italiano Antonio Rosmini foi um notável filósofo e teólogo do século XIX, que, perante as transformações que então se operavam, escreveu, por amor à Igreja, em 1832, um livro famoso com o título Delle cinque plaghe della Santa Chiesa (Sobre as cinco chagas da Santa Igreja). Desgraçadamente, a obra foi condenada e colocada no Index Librorum Prohibitorum (Catálogo dos livros proibidos). Mas, lentamente, a sua memória foi reabilitada e até foi beatificado em 2007 por Bento XVI. Em síntese, quais eram essas chagas? “O distanciamento entre o clero e o povo (na vida e na liturgia — não esquecer que as celebrações litúrgicas eram em latim); a fraca formação do clero, tanto no plano cultural como espiritual; a desunião entre os bispos; a intromissão da política na nomeação dos bispos; a riqueza acumulada pela Igreja”.

Na esteira de Rosmini, o padre espanhol Luis Pose Regueiro, historiador da Igreja,  acaba de publicar em Religión Digital, “as dez chagas da Igreja”. Baseado no essencial do seu texto, deixo aí uma reflexão sobre essas chagas. 

Rosmini

1. O tradicionalismo e o individualismo. Vivemos em tempos de confusão, incerteza, perplexidade, e, neste quadro, há a tentação de “refugiar-se anacronicamente na segurança do antes” — sempre se fez assim — ou então “isolar-se” no que cada um considera o correcto e mais seguro. Ora, o que se impõe é ir ao Evangelho e procurar “um caminho  o mais possível comum”, seguindo o velho princípio: “nas coisas necessárias, unidade; nas duvidosas, liberdade; em tudo, caridade.”

2. O clericalismo. O poder dos padres e dos bispos, do clero, é  tantas  vezes “excessivo e distanciador”. Contra uma Igreja piramidal,  Francisco não se tem cansado de chamar a atenção para essa “peste” do clericalismo e do carreirismo, que impede uma Igreja verdadeiramente sinodal, que a todos mobilize. 

3. As riquezas e bens acumulados. “Por vezes ainda se vêem comportamentos economicistas por parte de pastores que sustentam uma espécie de ‘mercado’ de sacramentos.” E eu pergunto: não é um escândalo os cardeais na Cúria, com tudo pago — felizmente, o Papa Francisco acaba de decretar que cardeais e bispos da Cúria devem  pagar uma renda pelos apartamentos no Vaticano—,  terem um salário entre 4 e 5 mil euros mensais? Também penso que “precisamos de procurar maneiras dignas de austeridade, desprendimento e caridade.”

4. O etnocentrismo. A Igreja continua demasiado “romanocêntrica”. A mensagem do Evangelho precisa de encarnar nas várias culturas e actualizar a linguagem. Pergunto muitas vezes: o que teria acontecido na nossa compreensão da mensagem cristã, se o cristianismo, no princípio, em vez de ter passado da cultura hebraica para a cultura helénica, tivesse passado para a China ou para a Índia?

Sacerdotes

5. O machismo. Jesus, para escândalo de muitos, teve discípulos e discípulas. São Paulo entendeu que “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo.” Portanto, também na Igreja não pode haver discriminação das mulheres. O que pode impedi-las de presidir à Eucaristia? 

6. O celibato obrigatório. O celibato como opção livre “é um chamamento digno e admirável, como o de unir-se para formar uma família: um e outro requerem  amor, sacrifício e dedicação (não sei qual é mais exigente...). “  Onde está que Jesus exigiu o celibato? Francisco acaba de mostrar abertura à  sua revisão.

7. A visão reducionista da sexualidade. “A doutrina ‘oficial’ pelo menos já defende que o sexo não é só para a procriação e admite a paternidade/maternidade responsável, mas não admite os métodos anticonceptivos artificiais nem o sexo pré-matrimonial; julgo que, no primeiro caso, se trata de uma incoerência (se se admite a atitude, porque não admitir uma ajuda artificial?) e, no segundo, de uma ingenuidade (não só porque não é cumprível, mas porque desconhece a importância do sexo na comunicação e vida de um casal).” 

8. A homofobia. Já algo se avançou “em relação à visão humilhante da homossexualidade — que não é uma doença nem um capricho —, mas continua a não se aceitar que seja um modo digno de pessoas que se amam em consciência; e creio que isso é o verdadeiramente importante e o que Deus nos pede: que as pessoas amem como sentem em consciência.” Pergunto: o que impede, neste caso, que se lhes dê uma bênção?

Celibato

9. Os abusos sexuais e o seu encobrimento. Uma infâmia, como aqui tenho escrito desde há muito tempo,  os abusos e o seu encobrimento sistémico. Impõe-se cuidar das vítimas, que têm de ocupar o centro, fazer reparação, também financeira, sabendo que é um pecado hediondo, mas também um crime. E fica a necessidade de repensar a formação dos padres, também no domínio afectivo-sexual. E, com a idade com que são ordenados, têm consciência dos compromissos que assumem? E sabem o quê da vida real? Como garantir “tolerância zero”?

10. O ritualismo vazio e a espiritualidade débil. As celebrações comunitárias devem ser alimento para a vida cristã, também para a prática na vida quotidiana. Mas o que se constata é que de facto se fica num “cumprimento rotineiro e pouco enriquecedor”. E quando se pensa nas homilias...

Concluindo: Se houver a convicção funda da importância da Igreja, cuja missão é levar e entregar, por palavras e obras, a mensagem de Jesus à humanidade de cada tempo, para a vida das pessoas e das sociedades, estas questões não poderão deixar de ser debatidas com “liberdade e audácia”.

Abusos

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