8 de janeiro: um ano depois

Acompanhar pela TV e pela grande imprensa os episódios terríveis do dia 8 de janeiro
de 2023 traz sentimentos misturados e a perplexidade de estar diante de um fato no
mínimo complexo. Por um lado, o espanto de ver como se chegou àquele nível de
vandalismo no dia seguinte à festiva celebração da tomada de posse do novo governo
eleito. O Brasil respirava e se orgulhava do que estava começando a viver novamente:
liberdade, respeito, justiça priorizada, diversidade e inclusão. Por outro, a consciência
da profunda polarização que rachava o país em dois. Manifestada no resultado
apertado das eleições, essa rachadura profunda fez a festa da democracia durar
pouco. Agora, uma semana depois, a violência e a intolerância escancaravam sua
boca desdentada e sanguinolenta na violência que se abateu sobre os símbolos dos
poderes da república.
Recordo o desanimo sentido por mim e por tantos ao presenciar aquelas cenas
macabras de desrespeito a tudo que o país possuía de bom, de belo, de justo. Nem
obras de arte foram respeitadas e se tornaram igualmente vítimas do vandalismo
desesperado que se negava a aceitar o resultado das urnas e lançava-se feroz sobre
os três poderes, sobretudo o judiciário.
A multidão que naquele dia invadiu a esplanada e entrou nos palácios e edifícios
públicos era igualmente inexplicável e bizarra. Ao lado de senhores e senhoras de
minha meia idade e até mesmo nela mais avançados, com seus cabelos brancos e
roupas comuns e correntes, viam-se jovens que utilizando sua força física quebravam
vidros, móveis, paredes e depredavam o patrimônio público. Todos em aliança, todos
colaborando, construindo uma impossível e macabra (des)harmonia para expressar
uma mesma coisa: seus sentimentos antidemocráticos. Perplexos estivemos e até
hoje estamos ao ver quantos e tantos inimigos a democracia tem neste país que
conseguiram organizar e levar a cabo uma tentativa de golpe daquele porte, invadindo
e deflorando a recém consagrada aliança do povo com uma nova etapa da sua
história.
Não concordavam com os resultados das eleições, questionavam as urnas eletrônicas,
e em lugar de tomar as vias políticas e pacíficas para manifestar seus sentimentos,
optavam pelo quebra quebra, pelo vandalismo e pela truculência. O desfecho
anunciou-se terrível e mortal em mais de um momento. Se não houvesse serenidade,
calma, decisões tomadas com sangue frio e sem ferir as instituições e seus rituais e
liturgias, não se pode sequer imaginar quantas vítima fatais poderiam neste momento
manchar o imaginário brasileiro. Se as forças da ordem houvessem sido acionadas
irresponsavelmente, hoje o Brasil estaria em um lamento coletivo e depressivo,
enfrentando pranto sobre perdas e pouco ou nenhum ganho.
O que celebramos hoje é, sim, uma vitória da democracia. E por isso nos alegramos e
damos graças a Deus. A manifestação foi contida, responsáveis presos. Alguns já
receberam sentenças outros aguardam julgamento. Tudo dentro da ordem e do
respeito que a mesma democracia exige. Por isso se pode celebrar a verdadeira festa.
Aquela que ritualiza um desenrolar de atos e fatos que se mostraram respeitosos e
reverentes ao maior patrimônio que o país tem: seu povo.
Em um momento em que o mundo enfrenta inúmeras guerras, algumas terríveis, seja
porque se dão entre irmãos da mesma etnia, seja porque seu início já se dá com
matança, crueldade, massacre e provoca reações ainda mais violentas desses
mesmos atos o Brasil é um exemplo para o mundo. A dignidade e serenidade do
governo em sua atuação, diante da agressão repentina e inesperada foi realmente
admirável.
Um ano depois, o processo continua. Prisões foram realizadas, sentenças proferidas,
outras aguardam julgamento. A justiça segue seu curso sem ferir a democracia nem a
dignidade do povo brasileiro. Talvez seja essa a maior lição a aprender desta data que
ficará marcada na história do Brasil: 8 de janeiro de 2023. A lição de que não se
defende democracia com violência desmedida e agressões truculentas. Defende-se
com institucionalidade, com decisões firmes e ancoradas no respeito à liberdade e às
instituições.
Um ano depois: a democracia brasileira pode ser jovem e incipiente, mas está mais
robusta agora. E isso permite ter esperança.

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