"O cuidado nunca nos pode abandonar" Cuidado! Cuidar

Esperanza
Esperanza

"Sem o cuidado ao longo da vida toda, do nascimento à morte, o ser humano desestrutura-se, sente-se perdido, só, não encontra sentido e acaba por morrer, entregue ao abandono"

"Claro, cuidar de nós, cuidar dos familiares e amigos, cuidar dos mais frágeis, cuidar da natureza, cuidar da espiritualidade, da transcendência..., de Deus em nós"

Entre as grandes obras filosóficas do século XX, figura uma do filósofo alemão Martin Heidegger: Sein und Zeit (Ser e Tempo). Nela, retoma a célebre fábula sobre o Cuidado, de Higino, um escravo culto (64 a. C.-16 d. C.). Fica aí, traduzida literalmente.

“Uma vez, ao atravessar um rio, ‘Cuidado’ viu terra argilosa. Pensativo, tomou um pedaço de barro e começou a moldá-lo. Enquanto contemplava o que tinha feito, apareceu Júpiter. ‘Cuidado’ pediu-lhe que insuflasse espírito naquela figura, o que Júpiter fez de bom grado. Mas, quando ‘Cuidado’ quis dar o próprio nome à criatura que havia formado, Júpiter proibiu-lho, exigindo que lhe fosse dado o seu. Enquanto ‘Cuidado’ e Júpiter discutiam, surgiu também a Terra (Tellus) e também ela quis conferir o seu nome à criatura, pois fora ela a dar-lhe um pedaço do seu corpo. Os contendentes invocaram Saturno como juiz. Este tomou a seguinte decisão, que pareceu justa: ‘Tu, Júpiter, deste-lhe o espírito; por isso, receberás de volta o seu espírito por ocasião da sua morte. Tu, Terra, deste-lhe o corpo; por isso, receberás de volta o seu corpo. Mas, como foi ‘Cuidado’ a ter a ideia de moldar a criatura, ficará ela na sua posse enquanto viver. E, uma vez que entre vós há discussão sobre o nome, chamar-se-á  ‘homo’ (Homem), já que foi feita a partir do húmus (Terra)’”.

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Heidegger
Heidegger

Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do século XX, retoma a fábula e reflecte sobre o cuidado enquanto estrutura essencial do ser humano. Cuidar e ser cuidado são determinantes da sua constituição. O que seria de nós, se, ainda dentro do ventre materno, não houvesse cuidado, se, ao nascermos e depois do nascimento, não cuidassem de nós? O cuidado nunca nos pode abandonar. Sem o cuidado ao longo da vida toda, do nascimento à morte, o ser humano desestrutura-se, sente-se perdido, só, não encontra sentido e acaba por morrer, entregue ao abandono.  

O cuidado tem uma dupla vertente. Por um lado, significa preocupação mais ou menos ansiosa e a consequente prevenção. É assim que os pais dizem aos filhos, ameaçados por perigos: tem cuidado, filho; tem cuidado, filha! E prevenimos os amigos que nos pedem conselho: eu não iria por aí, tem cuidado, tenha cuidado, acautele-se! Por outro lado, e sobretudo, tem a ver com a entrega abnegada aos outros, cuidando deles em todas as dimensões, pois a perfeição do ser humano na realização das suas possibilidades mais próprias é tarefa do cuidado. 

Cuidar de quem e de quê?

Claro, cuidar de nós, cuidar dos familiares e amigos, cuidar dos mais frágeis, cuidar da natureza, cuidar da espiritualidade, da transcendência..., de Deus em nós.

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