"O que está na base deste processo de degradação ambiental é o paradigma tecnocrático" Laudate Deum: A crise climática

Laudate Deum de Francisco
Laudate Deum de Francisco

"Francisco começa por chamar  a atenção contra os negacionistas"

"Faço notar que o relatório anual científico Lancet Countdown, publicado já neste mês de Novembro, traça cenários dramáticos para a Humanidade, se a actual trajectória de emissões de gases com efeito de estufa continuar"

"É evidente que estas questões são globais. Por isso, frente à fragilidade da política mundial, Francisco insiste na necessidade de “favorecer os acordos multilaterais entre os Estados”

Com data de 4 de Outubro, o dia da festa de São Francisco de Assis, e 8 anos depois da publicação da encíclica Laudato Sí, Francisco publicou a Exortação Apostólica Laudate Deum, com a intenção de partilhar com todas as pessoas de boa vontade  a sua “profunda preocupação pelo cuidado da nossa casa comum”, porque, “com o passar do tempo, dá-se conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos  acolhe está-se esboroando e talvez aproximando de um ponto de ruptura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida de que o impacto da alteração climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos”.

Entre a primeira afirmação do texto: “Louvai a Deus (Laudate Deum) por todas as suas criaturas” e a última: “Laudate Deum é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior inimigo para si mesmo,  Francisco desenvolve o seu grito profético em cinco pontos: 1. a crise climática global; 2. o crescente paradigma tecnocrático;  3. a fragilidade da política internacional; 4. as conferências sobre o clima e o que se espera da COP28, no Dubai; 5. as motivações espirituais: um “antropocentrismo situado”.

Laudate
Laudate

  1. Começa por chamar  a atenção contra os negacionistas. Escreve: “Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais das alterações climáticas impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente.” E dá exemplos dos últimos anos: fenómenos extremos, períodos frequentes de calor anormal, seca e “outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afecta a todos”. E, se não se tomar medidas, há a ameaça de esses fenómenos extremos se tornarem mais frequentes e intensos. E é necessário sublinhar que se trata de um fenómeno global e não se pode atribuir a culpa aos pobres, pois “a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que os 50% mais pobres de toda a população mundial”.     

Faço notar que o relatório anual científico Lancet Countdown, publicado já neste mês de Novembro, traça cenários dramáticos para a Humanidade, se a actual trajectória de emissões de gases com efeito de estufa continuar: o número de mortes associadas ao calor extremo, por exemplo, pode mais do que quadruplicar até 2050.  

  1. “A origem humana — ‘antrópica’— das alterações climáticas já não se pode pôr em dúvida.” Foi com o progresso industrial que as emissões dos gases com efeito de estufa, causadoras do aquecimento global, sofreram aumento: nos últimos 50 anos “a temperatura aumentou a uma velocidade inédita”. 

O que está na base deste processo de degradação ambiental é o paradigma tecnocrático. Nunca a Humanidade teve tanto poder, mas “nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considerar a maneira como o está a fazer.” O aumento de poder não significa sempre um progresso para a humanidade, pois pode destruir a vida. Desgraçadamente, “a lógica do máximo lucro ao menor custo, disfarçada de racionalidade, progresso e promessas ilusórias, torna impossível qualquer  preocupação sincera com a casa comum".

Cop28
Cop28

  1. É evidente que estas questões são globais. Por isso, frente à fragilidade da política mundial, Francisco insiste na necessidade de “favorecer os acordos multilaterais entre os Estados”. “Não basta pensar nos equilíbrios de poder, impõe-se também responder aos novos desafios e reagir com mecanismos globais aos desafios ambientais, sanitários, culturais e sociais, sobretudo para consolidar o respeito dos direitos humanos mais elementares, dos direitos sociais e do cuidado da casa comum.”
  2. É verdade que há já decénios que os representantes de mais de 190 países se reúnem  para enfrentar a questão climática, mas o que se passa é que “os acordos tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram mecanismos adequados de controlo, revisão periódica e sanção das violações.” Avisa quanto ao limite ideal máximo de aumento global da temperatura de 1,5 graus do acordo de Paris: em breve poderemos atingir “o risco de um ponto crítico”: 3 graus.

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, de 30 de Novembro a 12 de Dezembro próximo, tem lugar no Dubai

Francisco, que estará presente, espera que constitua “um ponto de viragem”, que “se torne histórica”.  Para isso, repete: “Para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário fazê-lo?”

  1. O Papa dirige-se a todas as pessoas de boa vontade. Quis, porém, reservar um ponto para as motivações espirituais, concretamente no contexto da Bíblia, que conta que “Deus criador, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa”. A terra pertence-Lhe e os seres humanos são “hóspedes”. Assim, “a responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano, dotado de inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo”. 

É claro que o ser humano é especial e único, tem “um valor peculiar e central no meio do concerto de todos os seres, mas hoje somos obrigados a reconhecer que só é possível defender um ‘antropocentrismo situado’, ou seja, reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas”.

Laudate Deum, una llamada de atención sobre el futuro del planeta
Laudate Deum, una llamada de atención sobre el futuro del planeta Pixabay

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