ASSUMINDO A CAUSA DA JUSTIÇA NO BRASIL DE HOJE
| Rosendo A Yunes
Continuando com a leitura do importante livro de Albert Nolan “Esperança em tempos de desespero” aplicando ideias cristãs na África do Sul, mas que apresenta valores universais, estou considerando-o como referência ao Brasil na atualidade.
Nolan indica claramente que nossa atitude com relação aos pobres pode crescer, desenvolver-se e amadurecer ao longo dos anos. Igualmente pode estacionar ou retroceder. Para um cristão é uma questão de crescimento espiritual.
O primeiro que devemos reconhecer é que a pobreza que existe no mundo hoje não é acidental. Ela foi criada. A pobreza tem como causas politicas, econômicas e sociais especificas de sistemas de injustiça e opressão.
Existe na Bíblia, nas qual Deus se apresenta com raiva e indignação, por exemplo, “a ira de Jeová se acendeu contra” seu povo quando eles deixaram de cumprir o acordo de adorar apenas a ele (Juízes 2: 13,14). Neemias ficou muito irado quando soube que alguns dos que adoravam a Jeová estavam sendo oprimidos (Neemias 5: 6).
A ira aqui é expressão de amor pelos pobres e pelos ricos, pelos oprimidos e opressores. Como entender isto? Quanto mais profunda é minha compaixão pelos pobres, maior é minha indignação. Se esses sentimentos são fracos minha compaixão não é seria.
No entanto a raiva de Deus não significa que ele não ame os ricos. A raiva aqui é a expressão da seriedade de nosso amor. Quando compreendemos isto é mais fácil perdoar o pecador e ter raiva do sistema que oprime. O sistema vigente no Brasil de hoje, segundo os dados da BBC News Brasil em SP (em 05/12/18), do IBGE (informe de dezembro de 2017), e do FGV (uol notícias 13/02/18).
Mas, brevemente devemos relembrar uma pouco da historia, considerando os dados de pessoas abaixo da linha da pobreza no Brasil da FGV: em 1992 era de 34,28%, com o plano Real de fevereiro de 1994 a pobreza iniciou uma queda a 31,45% e nos anos posteriores até Lula assumir com um 28,16%. No período Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016) obtiveram o mínimo de 8,38%. No entanto por erros da politica econômica de Dilma em 2016 foi de 11,18%.
Foi precisamente a falta de sustentação destas politicas sociais, digamos o “calcanhar de Aquiles” dos avanços conquistados pelo PT. O início da mudança foi a nominação por parte de Dilma, de J. Levy, um ortodoxo neoliberal, como ministro de Fazenda em novembro de 2014, traindo todo o programa que propus nas eleições presidenciais. Levy conseguiu aumentar alguns tributos e cortes nos programas sociais e foi deixado cessante 11 meses depois de assumir.
Com Levy foi o inicio do capitalismo de linha financeira no Brasil, capitalismo que se caracteriza por sua única intenção: explorar o trabalho do povo em beneficio dos capitais, especialmente estrangeiros, colocados comodamente, por elevados juros bancários.
Assim, entre 2014-2017 as pessoas por debaixo da linha da pobreza cresceram um 33% o que significam 6,3 milhões de pessoas (equivalente à população do Uruguai) que vivem com menos de R$233 por mês. Segundo o IBGE falta trabalho para 27 milhões de pessoas, incluindo aqui os subocupados, pessoas com potencial força de trabalho que não o procuram etc.
A partir de 2016 depois do golpe dado contra Dilma, o poder financeiro aumentou com igual aumento do desemprego e da informalidade. Dois de cada 5 trabalhadores não tinham carteira assinada em 2017 (BBC News), um aumento de 1,2 milhão desde 2014.
Em 2017 o rendimento médio mensal por capita domiciliar foi de R$1511,00. Atualmente perto da linha debaixo da pobreza que deve ser 5,5 US$ por dia segundo Banco Mundial que seriam R$1443,85. Nesse ano, os 10% com maiores rendimentos do país era 3,5 vezes maior que o total recebido pelos 40% com menores rendimentos. O tamanho do abismo depende da região. Logicamente o Distrito Federal é líder neste quesito: 10% do topo concentram 46,5% e 40% de baixo com 8,4%.
Com o problema de Brumadinho sabemos que o presidente da Vale ganha por mês a astronômica soma de R$ 1,6 milhão e os 5 do conselho R$ 1 milhão cada. Evidentemente se procura criar a maior desigualdade possível para que o poder concentrado em poucas mãos possa ser absoluto.
Enquanto aumentam as desigualdades não se considera que 27 milhões de pessoas vivem em moradias inadequadas e até desumanas. São inadequadas moradias com mais de 3 moradores por dormitório, ausências de banheiro de uso exclusivo, 5,4 milhões vivem nesta condição, paredes construídas por materiais não duráveis, e ausência de serviços de saneamento. A insensibilidade é maior com mulheres pretas ou pardas, sem cônjuge e com filhos de até 14 anos, que tem restrição de acesso a proteção social.
Para pior, muitas vezes o aluguel supera o 30% do rendimento domiciliar, o que afeta a 10 milhões de pessoas especialmente no Distrito Federal e São Paulo
Paulo Kliass demostra claramente em nota de 06/02/2019 (Outras palavras- A politica monetária do 1%) como o COPOM manteve a taxa Selic em 6,5% desde março de 2018, quando qualquer manual básico de macroeconomia recomenda baixar os juros em momentos de reduzido crescimento da economia para induzir a um maior investimento. Isto explica os vergonhosos lucros dos Bancos Itaú (26 bilhões de reais), Bradesco (22 bilhões de reais), Santander (12 bilhões de reais). O CAPITAL FINANCEIRO CLARAMENTE DOMINA O BRASIL DE HOJE
Isto explica porque existem 63,4 milhões de endividados no Brasil, é uma Itália, e não somente das faixas mais pobres o problema cresce mais nas classes com renda superior a 19 salários mínimos (Serviço de Proteção do Crédito).
Brasil é o maior país Católico do mundo. Mas, sua Igreja esta tartamuda, alguns bispos falam desta situação, no entanto no existe uma unidade que se transforme em alguma ação concreta para corrigir este sistema.
Como não sentir compaixão por todos estes pobres sofredores, como não estar indignados com esta situação de plena injustiça considerando que existem os recursos necessários para corrigir esta situação. Segundo Nolan a compaixão é o primeiro estagio do comprometimento com os pobres e nada pode substituir o contato com eles.
Os cristãos burgueses não tem compaixão, mas pena. Quem tem pena o sente de cima para baixo. Assim, nos consideramos melhores e mais fortes do que os outros naquele momento. A compaixão exige empatia com a dor alheia. O olhar de compaixão pode ser exercitado em nosso dia a dia e nos garante, em longo prazo, uma profunda mudança de perspectiva.
A verdadeira compaixão nos deve levar a indignação, a raiva e este é o segundo estágio. Nolan afirma taxativamente: “A medida que passamos a comungar da raiva de Deus, constatamos que a nossa raiva se orienta mais aos sistemas injustos do que as pessoas, mesmo que às vezes a expressemos contra aqueles que representam e perpetuam estes sistemas”. Nosso problema agora é como mudar o sistema.
Aqui, segundo Nolan, inicia o terceiro estágio de nosso desenvolvimento espiritual: a descoberta de que os pobres devem salvar a si mesmos, e de que não precisam de nós. As vezes pensamos que nós, a classe média esclarecida, os líderes das igrejas, devemos resgatar os pobres porque eles são impotentes.
Devemos lembrar que o problema da pobreza é estrutural. Nolan o indica: “Os pobres não são santos, nem os ricos pecadores. Indivíduos não podem ser exaltados por serem pobres ou culpados por serem ricos, do mesmo modo que não podem ser culpados por serem pobres e exaltados por serem ricos”.
Por isto, o quarto estágio de desenvolvimento começa com a crise de desilusão com os pobres. Inicia com a descoberta de que muitos pobres e oprimidos tem defeitos, cometem pecados, erram, nos decepcionam e nos desespera. Os pobres são seres humanos como nós. São egoístas, relapsos, irresponsáveis, descomprometidos.
Nolan mostra que todos somos condicionados pelo lugar que ocupamos nas estruturas injustas da sociedade. Todos somos alienados por elas. A opressão continua sendo uma realidade. Os pobres são aqueles contra quem pecamos e que estão sofrendo. A solidariedade com eles e assumir sua causa não a nossa. Precisamos fazer isto com eles, juntos.