Medellin 1968: quando a Igreja virou fonte
O ano de 1968 marcou a história da humanidade. Na Europa, acontecia a
grande revolução cultural que mudou os padrões de vida do mundo ocidental e
reforçou a importância das jovens gerações. No Brasil, viviam-se os tempos sombrios
da ditadura militar e do Ato Institucional número 5.
Para a Igreja, no entanto, o mesmo ano foi marco de um grande
acontecimento: a II Conferência dos bispos de todo o continente em Medellín,
Colômbia. Após o Concílio Vaticano II, que trouxe um sopro de abertura e renovação
para toda a Igreja, a América Latina queria relê-lo e implantá-lo no seu contexto. E foi
isso que fez em Medellín. Concebeu um novo horizonte em sua autocompreensão e
em sua ação pastoral. Deixou de olhar para dentro de suas fronteiras e voltou sua
atenção para a realidade na qual estava imersa e situada.
Ao olhar em volta e mergulhar a atenção na realidade, os bispos viram uma
desigualdade gritante entre ricos e pobres e uma opressão e violência
institucionalizadas. Constataram que o maior continente cristão do mundo era
igualmente aquele que abrigava o maior nível de injustiça. O clamor das vítimas
desse estado de coisas se fazia ouvir e chegava ao coração dos pastores.
Foi assim que a Conferência de Medellín se comprometeu a estabelecer novas
prioridades para seu trabalho pastoral, guiada pelo binômio inseparável fé e justiça.
Entre todos os fiéis que viviam no continente, a atenção privilegiada do trabalho
pastoral deveria ser direcionada para os mais pobres. Uma opção preferencial deveria
ser feita por eles.
Uma vez estabelecida essa diretriz maior, outros compromissos foram
estabelecidos. Para pensar a fé a partir de uma atenção privilegiada aos pobres,
havia que criar um novo modo de fazer teologia. Nascia ali o embrião da que depois
foi chamada de “Teologia da Libertação”. As teorias do desenvolvimento ganhavam
força naquele período, mas a Igreja escolhia o termo “libertação” por acreditar ser mais
profundo e acertado que o primeiro.
A articulação das comunidades de uma Igreja que assim se concebia ia
acontecendo nas bases. Pequenos grupos de pessoas se reuniam em torno da
Palavra de Deus, aplicando-a para sua vida de cada dia. Esse movimento cresceu e
se espalhou por todo o continente, trazendo ar fresco e vida nova para aqueles que
encontravam no Evangelho sua maior esperança. Os bispos em Medellín acolheram
com alegria essa “eclesiogênese” e se dispuseram a acompanhá-la com carinho.
A pergunta lançada pelas conclusões da II Conferência era: o que significa ser
cristão em um continente de pobres e oprimidos? Significou para muitos não apenas
ajudar os pobres, mas partilhar com eles, em alguma medida, os efeitos dolorosos da
injustiça e da opressão. Implicou fazer mudanças profundas em suas próprias vidas
para serem fiéis a este propósito. Falar a língua das culturas indígenas e nativas,
valorizando suas tradições, rituais e modos de culto. Integrar essas culturas como
parte constitutiva do discurso e da prática eclesial.
Hoje, 50 anos depois, importa celebrar esse grande acontecimento e continuar
a pôr em prática tudo que com ele foi vivido e aprendido. Em Medellín, a Igreja latinoamericana
deixou de autocompreender-se como réplica da Europa. Em palavras do
eminente e saudoso jesuíta brasileiro Henrique de Lima Vaz, era preciso deixar de ser
uma Igreja-reflexo e passar a ser uma Igreja-fonte. E assim o disseram os bispos
reunidos em 1968. A Igreja do continente assumia sua vocação e destino de ser fonte
de um novo modelo eclesial.
Em um mundo globalizado como o nosso hoje, as intuições proféticas de
Medellín continuam válidas e inspiradoras. Para anunciar a alegria do Evangelho, é
preciso encarnar-se nos contextos e culturas para conhecê-los a partir de dentro. No
entanto, esse mesmo processo de encarnação obriga a sair para fora do já conhecido
e dos limites interinstitucionais
O pontificado do Papa Francisco confirma toda essa trajetória eclesial que
festeja cinco décadas. A Igreja em saída por ele proposta é a confirmação das
prioridades de Medellín e a garantia de que hoje é preciso continuar a pisar os
caminhos ali abertos.
grande revolução cultural que mudou os padrões de vida do mundo ocidental e
reforçou a importância das jovens gerações. No Brasil, viviam-se os tempos sombrios
da ditadura militar e do Ato Institucional número 5.
Para a Igreja, no entanto, o mesmo ano foi marco de um grande
acontecimento: a II Conferência dos bispos de todo o continente em Medellín,
Colômbia. Após o Concílio Vaticano II, que trouxe um sopro de abertura e renovação
para toda a Igreja, a América Latina queria relê-lo e implantá-lo no seu contexto. E foi
isso que fez em Medellín. Concebeu um novo horizonte em sua autocompreensão e
em sua ação pastoral. Deixou de olhar para dentro de suas fronteiras e voltou sua
atenção para a realidade na qual estava imersa e situada.
Ao olhar em volta e mergulhar a atenção na realidade, os bispos viram uma
desigualdade gritante entre ricos e pobres e uma opressão e violência
institucionalizadas. Constataram que o maior continente cristão do mundo era
igualmente aquele que abrigava o maior nível de injustiça. O clamor das vítimas
desse estado de coisas se fazia ouvir e chegava ao coração dos pastores.
Foi assim que a Conferência de Medellín se comprometeu a estabelecer novas
prioridades para seu trabalho pastoral, guiada pelo binômio inseparável fé e justiça.
Entre todos os fiéis que viviam no continente, a atenção privilegiada do trabalho
pastoral deveria ser direcionada para os mais pobres. Uma opção preferencial deveria
ser feita por eles.
Uma vez estabelecida essa diretriz maior, outros compromissos foram
estabelecidos. Para pensar a fé a partir de uma atenção privilegiada aos pobres,
havia que criar um novo modo de fazer teologia. Nascia ali o embrião da que depois
foi chamada de “Teologia da Libertação”. As teorias do desenvolvimento ganhavam
força naquele período, mas a Igreja escolhia o termo “libertação” por acreditar ser mais
profundo e acertado que o primeiro.
A articulação das comunidades de uma Igreja que assim se concebia ia
acontecendo nas bases. Pequenos grupos de pessoas se reuniam em torno da
Palavra de Deus, aplicando-a para sua vida de cada dia. Esse movimento cresceu e
se espalhou por todo o continente, trazendo ar fresco e vida nova para aqueles que
encontravam no Evangelho sua maior esperança. Os bispos em Medellín acolheram
com alegria essa “eclesiogênese” e se dispuseram a acompanhá-la com carinho.
A pergunta lançada pelas conclusões da II Conferência era: o que significa ser
cristão em um continente de pobres e oprimidos? Significou para muitos não apenas
ajudar os pobres, mas partilhar com eles, em alguma medida, os efeitos dolorosos da
injustiça e da opressão. Implicou fazer mudanças profundas em suas próprias vidas
para serem fiéis a este propósito. Falar a língua das culturas indígenas e nativas,
valorizando suas tradições, rituais e modos de culto. Integrar essas culturas como
parte constitutiva do discurso e da prática eclesial.
Hoje, 50 anos depois, importa celebrar esse grande acontecimento e continuar
a pôr em prática tudo que com ele foi vivido e aprendido. Em Medellín, a Igreja latinoamericana
deixou de autocompreender-se como réplica da Europa. Em palavras do
eminente e saudoso jesuíta brasileiro Henrique de Lima Vaz, era preciso deixar de ser
uma Igreja-reflexo e passar a ser uma Igreja-fonte. E assim o disseram os bispos
reunidos em 1968. A Igreja do continente assumia sua vocação e destino de ser fonte
de um novo modelo eclesial.
Em um mundo globalizado como o nosso hoje, as intuições proféticas de
Medellín continuam válidas e inspiradoras. Para anunciar a alegria do Evangelho, é
preciso encarnar-se nos contextos e culturas para conhecê-los a partir de dentro. No
entanto, esse mesmo processo de encarnação obriga a sair para fora do já conhecido
e dos limites interinstitucionais
O pontificado do Papa Francisco confirma toda essa trajetória eclesial que
festeja cinco décadas. A Igreja em saída por ele proposta é a confirmação das
prioridades de Medellín e a garantia de que hoje é preciso continuar a pisar os
caminhos ali abertos.