Páscoa dentro e fora dos muros
Jerusalém, por volta do ano 30. O Galileu Jesus de Nazaré fora julgado
subversivo. Perturbava a ordem. Semeava a sublevação desde os começos de seu
movimento. Agora, em Jerusalém, Cidade Santa, era finalmente preso e condenado.
Executado na cruz fora dos muros da cidade como acontecia com os malfeitores.
O silêncio pesava sobre Jerusalém, grávido de tristeza com a morte do profeta
que amou os pobres e os pequenos, e falou de Deus como nunca ninguém o tinha
feito. E, de repente, o rumor rompeu o silêncio e o mal-estar, falando não de morte,
mas de vida. A vida, as palavras e os gestos do carpinteiro de Nazaré eram semente
de vida nova e sua morte dolorosa era força que reunia os dispersos e animava para a
luta. A morte não teve a última palavra sobre sua vida santa e fecunda. O amor foi
mais forte e venceu a morte pelo poder de Deus.
El Salvador ano 1980. O arcebispo Oscar Arnulfo Romero se preparava para
celebrar sua última missa. Dias antes fizera um retiro onde sentira claramente que a
morte o rondava. Tinha medo. Mas sabia não poder afastar-se do caminho pelo qual
andava. Fora por muito tempo um homem de Igreja piedoso, tranquilo e cheio de
bondade. A realidade, porém, o convertera. E ele sentiu que não poderia mais ser o
mesmo.
Começou a denunciar as injustiças e violências cometidas cruelmente em seu
país. Ao mesmo tempo em que os pobres e as lideranças da base eram
massacradas, sua voz se levantava. Suas homilias, ouvidas em todo El Salvador e
para fora de suas fronteiras ressoavam fortes e destemidas. Os pobres se sentiam
apoiados e os poderosos tremiam. Ali havia um subversivo que era preciso eliminar.
Em 24 de março de 1980, o coração do arcebispo foi atingido em plena
celebração da Eucaristia. Porém não havia ainda acontecido seu funeral e já
multidões acorriam ao seu redor para celebrar a vida que brotava de sua
morte. Figura emblemática e catalizadora de todo o sentir da Igreja latino-americana,
Oscar Romero é, hoje, um símbolo e uma testemunha de que a fé e a justiça não
podem separar-se.
O Papa Francisco, que já o beatificou, o canonizará como santo da Igreja
Católica. Porém, o salvadorenho arcebispo ultrapassa as fronteiras de sua Igreja e se
torna sempre mais inspiração e testemunho para todos aqueles e aquelas que não se
conformam com este mundo e dão suas vidas para transformá-lo.
Após a morte de Monsenhor Oscar Romero, as palavras que pronunciou em
vida se faziam realidade: “Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”. “Que
meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será logo uma
realidade.“ O arcebispo assassinado era semente de vida nova. Ninguém mais
poderia calá-lo.
Rio de Janeiro, ano 2018. A vereadora Marielle Franco, após um dia de
trabalho e reuniões, preparava-se para voltar para casa. Dias antes havia denunciado
pelas redes sociais o massacre de que estavam sendo vítimas os jovens negros de
Acari, bairro da periferia da cidade. Mulher, negra, favelada, a voz de Marielle era cada
vez mais ouvida defendendo os direitos humanos e denunciando as injustiças
cometidas contra todas as categorias oprimidas em sua cidade e seu país.
Nove balas foram disparadas certeiramente dirigidas à cabeça da jovem
vereadora. Ela morreu na hora assim como seu motorista Anderson. A notícia correu
na mídia e nas redes, e parecia apenas mais um assassinato dos que povoam diária e
tristemente a agenda carioca. No entanto, as ruas começaram a encher-se, a ponto
de não mais darem conta de tanta gente. O povo chorava a mulher de coragem e fazia
apelo a seu exemplo de vida para animá-lo na luta.
Do Rio, o movimento ganhou o Brasil inteiro e as páginas da mídia
estrangeira. A morte daquela bela e sorridente mulher sacudiu letargias e mobilizou
as consciências. E o lema que se lia e ouvia por toda parte era um só: “Marielle vive”.
Três figuras, intra e extramuros, falam do que é a Páscoa que em poucos dias
os cristãos do mundo inteiro celebrarão. É vida que vence a morte, é morte que dá
vida, é amor que faz viver a partir da entrega e da doação ao outro. Os cristãos veem
e creem que em Jesus de Nazaré vivo, morto e ressuscitado, Deus proferiu sua
palavra definitiva sobre a humanidade, declarando-a destinada à vida e não à morte.
Muitos mártires cristãos, a exemplo do mestre, seguiram e seguem hoje o
gesto de entrega de Jesus. Experimentam em suas vidas o poder da opressão e da
morte que os esmaga. Tornam-se, porém, mais eloquentes e fecundos depois de
mortos. São sementes de vida nova plantadas e frutificadas. Oscar Romero é apenas
um deles.
Há, porém, figuras que, de fora dos muros institucionais da Igreja ou da
religião, levam em si a luminosidade pascal. Suas vidas são entregues pelas causas
que são da humanidade inteira. E a morte, em vez de ser fim, deslancha um novo
começo de esperança e futuro. Assim foi com Marielle Franco, que deu ao
desalentado povo brasileiro novo ânimo para seguir lutando pela justiça e os direitos
humanos.
Dentro ou fora dos muros, a Páscoa continua acontecendo. E por isso deve
continuar a ser celebrada, já que a vida é que tem a última palavra na dramática e bela
aventura humana.
subversivo. Perturbava a ordem. Semeava a sublevação desde os começos de seu
movimento. Agora, em Jerusalém, Cidade Santa, era finalmente preso e condenado.
Executado na cruz fora dos muros da cidade como acontecia com os malfeitores.
O silêncio pesava sobre Jerusalém, grávido de tristeza com a morte do profeta
que amou os pobres e os pequenos, e falou de Deus como nunca ninguém o tinha
feito. E, de repente, o rumor rompeu o silêncio e o mal-estar, falando não de morte,
mas de vida. A vida, as palavras e os gestos do carpinteiro de Nazaré eram semente
de vida nova e sua morte dolorosa era força que reunia os dispersos e animava para a
luta. A morte não teve a última palavra sobre sua vida santa e fecunda. O amor foi
mais forte e venceu a morte pelo poder de Deus.
El Salvador ano 1980. O arcebispo Oscar Arnulfo Romero se preparava para
celebrar sua última missa. Dias antes fizera um retiro onde sentira claramente que a
morte o rondava. Tinha medo. Mas sabia não poder afastar-se do caminho pelo qual
andava. Fora por muito tempo um homem de Igreja piedoso, tranquilo e cheio de
bondade. A realidade, porém, o convertera. E ele sentiu que não poderia mais ser o
mesmo.
Começou a denunciar as injustiças e violências cometidas cruelmente em seu
país. Ao mesmo tempo em que os pobres e as lideranças da base eram
massacradas, sua voz se levantava. Suas homilias, ouvidas em todo El Salvador e
para fora de suas fronteiras ressoavam fortes e destemidas. Os pobres se sentiam
apoiados e os poderosos tremiam. Ali havia um subversivo que era preciso eliminar.
Em 24 de março de 1980, o coração do arcebispo foi atingido em plena
celebração da Eucaristia. Porém não havia ainda acontecido seu funeral e já
multidões acorriam ao seu redor para celebrar a vida que brotava de sua
morte. Figura emblemática e catalizadora de todo o sentir da Igreja latino-americana,
Oscar Romero é, hoje, um símbolo e uma testemunha de que a fé e a justiça não
podem separar-se.
O Papa Francisco, que já o beatificou, o canonizará como santo da Igreja
Católica. Porém, o salvadorenho arcebispo ultrapassa as fronteiras de sua Igreja e se
torna sempre mais inspiração e testemunho para todos aqueles e aquelas que não se
conformam com este mundo e dão suas vidas para transformá-lo.
Após a morte de Monsenhor Oscar Romero, as palavras que pronunciou em
vida se faziam realidade: “Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”. “Que
meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será logo uma
realidade.“ O arcebispo assassinado era semente de vida nova. Ninguém mais
poderia calá-lo.
Rio de Janeiro, ano 2018. A vereadora Marielle Franco, após um dia de
trabalho e reuniões, preparava-se para voltar para casa. Dias antes havia denunciado
pelas redes sociais o massacre de que estavam sendo vítimas os jovens negros de
Acari, bairro da periferia da cidade. Mulher, negra, favelada, a voz de Marielle era cada
vez mais ouvida defendendo os direitos humanos e denunciando as injustiças
cometidas contra todas as categorias oprimidas em sua cidade e seu país.
Nove balas foram disparadas certeiramente dirigidas à cabeça da jovem
vereadora. Ela morreu na hora assim como seu motorista Anderson. A notícia correu
na mídia e nas redes, e parecia apenas mais um assassinato dos que povoam diária e
tristemente a agenda carioca. No entanto, as ruas começaram a encher-se, a ponto
de não mais darem conta de tanta gente. O povo chorava a mulher de coragem e fazia
apelo a seu exemplo de vida para animá-lo na luta.
Do Rio, o movimento ganhou o Brasil inteiro e as páginas da mídia
estrangeira. A morte daquela bela e sorridente mulher sacudiu letargias e mobilizou
as consciências. E o lema que se lia e ouvia por toda parte era um só: “Marielle vive”.
Três figuras, intra e extramuros, falam do que é a Páscoa que em poucos dias
os cristãos do mundo inteiro celebrarão. É vida que vence a morte, é morte que dá
vida, é amor que faz viver a partir da entrega e da doação ao outro. Os cristãos veem
e creem que em Jesus de Nazaré vivo, morto e ressuscitado, Deus proferiu sua
palavra definitiva sobre a humanidade, declarando-a destinada à vida e não à morte.
Muitos mártires cristãos, a exemplo do mestre, seguiram e seguem hoje o
gesto de entrega de Jesus. Experimentam em suas vidas o poder da opressão e da
morte que os esmaga. Tornam-se, porém, mais eloquentes e fecundos depois de
mortos. São sementes de vida nova plantadas e frutificadas. Oscar Romero é apenas
um deles.
Há, porém, figuras que, de fora dos muros institucionais da Igreja ou da
religião, levam em si a luminosidade pascal. Suas vidas são entregues pelas causas
que são da humanidade inteira. E a morte, em vez de ser fim, deslancha um novo
começo de esperança e futuro. Assim foi com Marielle Franco, que deu ao
desalentado povo brasileiro novo ânimo para seguir lutando pela justiça e os direitos
humanos.
Dentro ou fora dos muros, a Páscoa continua acontecendo. E por isso deve
continuar a ser celebrada, já que a vida é que tem a última palavra na dramática e bela
aventura humana.