A maternidade hoje e sempre
Celebrou-se uma vez mais o Dia das Mães, esperado ansiosamente pelo comércio como a data mais lucrativa depois do Natal. Significa para alguns uma festa em família, alegre e regada a boa comida, e muita alegria. Para outros traz com crueza o vazio da ausência impossível de ser preenchida daquela que já se foi. Filhos e netos riem com a matriarca ainda presente, outros choram com saudades e recordando os dias de convivência que vivem na memória para sempre.
Lembrei-me, durante o alegre encontro familiar e também depois dele, de minha netinha mais nova que um dia me perguntou: “Vovó e a sua mãe? Onde ela está? “Respondi: “Morreu há tempos querida.” Ela então ficou pensativa e disse: “Ah é? Eu não sabia que mãe morria”. Senti que ali a inocência de sua infância havia recebido um golpe duro. Ela acabava de descobrir que tudo e todos que vivem, mesmo aquela que é a fonte da vida e cuida da vida incessantemente, morrem.
À semelhança de Maria Victoria, minha querida neta, está intrigado com a morte das mães o poeta maior Carlos Drummond de Andrade, que escreveu: “Por que Deus permite/ Que as mães vão-se embora?” E explica nos versos seguintes a razão de sua pergunta: “Mãe não tem limite/É tempo sem hora/Luz que não apaga/Quando sopra o vento//E chuva desaba”
Quando falham todos os apoios e as seguranças, quando as ameaças parecem ganhar terreno, mãe é um porto seguro que fala de amor para sempre, de vida gestada, nutrida, abrigada, protegida. Colo de mãe é o antídoto para perigos e medos. A aliança da mãe é com a vida. E quantas já não houve e há que deixam de lado todos os afazeres para estabelecer-se à cabeceira do filho doente? Ou que se dedicam quando todas as esperanças já foram perdidas, a fim de arrancar um minuto a mais, um suspiro além de vida de onde já todo movimento parece haver desertado? Ou ainda aquelas que procuram incessantemente e com o melhor das forças que lhes restam os filhos desaparecidos por alguma cruel ditadura ou pela violência urbana?
Mãe não tem limite, como diz Drummond, nem de tempo, nem de espaço, nem de racionalidade nem de previsibilidade. Amor de mãe faz explodir todas as expectativas e as fronteiras dos ritmos humanos e segue iluminando e aquecendo mesmo quando sopram ventos e chuvas desabam, arrastando destroços e anunciando catástrofes.
Não à toa a Bíblia Hebraica nos diz que o amor de Deus se compara com o de uma mãe. É o profeta Isaías quem fala: “Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou? Contudo, ainda que ela se esquecesse, Eu jamais me esquecerei de ti!”
A relação com a mãe é o primeiro canal para a transcendência que o ser humano experimenta. Já desde a vida aquática e uterina, nadando nessas águas que o protegem e ao mesmo tempo o alimentam e o mantêm vivo. Uma vez saída do ventre materno, a criança experimenta sua identidade de ser relacional através da mãe, que a pega ao colo, a amamenta, a lava e cuida, e lhe devolve o olhar com o qual começa a vislumbrar a existência.
Há, portanto, na maternidade algo de sagrado, se o sagrado é precisamente esse ponto de encontro e conexão entre o biológico e a emergência da representação e da autotranscedência. São as mães aquelas que primeiro dão à criança a possibilidade de participar da riqueza destas duas dimensões: o biológico e o simbólico; o físico e o espiritual; a unidade e a pluralidade que gera a relacionalidade. É a mãe que começa a ensinar a cada um e cada uma que gestou em seu ventre e pariu para o mundo a bela aventura de viver no cruzamento entre duas exigências: uma fisiológica, corporal, sexual; outra da ordem da representação, dos ideais e dos projetos.
Assim também é a mãe que abre ao filho a possibilidade de realizar sua vocação, que é tornar-se um ser de palavra. A língua mãe será por ela pronunciada e ensinada – ao ouvido, no acalanto, nas canções – e se tornará língua falada, palavra pronunciada nos lábios do bebê que ouve e posteriormente chegará ao milagre da linguagem.
Por isso, ela aproxima o filho e através dele, os outros, da eternidade e do divino. Voltemos sobre isso ao poema de Drummond: “Mãe, na sua graça/É eternidade/Por que Deus se lembra/Mistério profundo/De tirá-la um dia?” Como aquela que tem tão inquebrantável aliança com a vida se vai deixando uma saudade e um vazio que nada preenche?
Não a resposta, mas um começo dela, está no próprio verso do poeta: Mistério Profundo. O mistério da fé é que Deus jamais abandona aquilo que criou. As mães são suas parceiras nessa obra eterna de tecer e voltar a tecer a vida, fazendo-a sempre mais complexa e mais bela. Deus é Espírito, que sopra onde quer e não se sabe de onde vem nem para onde vai. Assim é com as mães que um dia partem. Mas partindo permanecem: nos ensinamentos, na memória, nos traços que ficam nos rostos e nos corpos dos filhos, nos rastros de amor que possibilitaram tantas coisas que talvez sem esse excesso de dedicação e ternura não aconteceriam.
O poeta Drummond, depois de dizer, aborrecido que fosse ele rei do mundo baixaria uma lei de que mãe não morre nunca, chega depois à misteriosa resposta que consola os corações de todas as orfandades: “Mãe ficará sempre/ Junto de seu filho/ E ele, velho embora/ Será pequenino/ Feito grão de milho”. O desejo expresso pelo poeta, embora não seja decreto do Senhor, de certa forma se realiza.
Talvez esta seja a melhor resposta para a inocência ferida de minha netinha querida. As mães se vão, mas depois da primeira dor da irreparável perda, os filhos vão perceber que elas, de fato, não os deixaram. Estão com eles de modo mais profundo e forte do que antes. E os fazem eternamente sentir-se filhos, crianças, oferecendo seu colo uma e outra vez para abrigar todo sentimento e consolar toda dor.
O Dia das Mães é comemorado por todas nós que tivemos e temos a graça de viver a maternidade. E também aquelas e aqueles que não a viveram, mas experimentam a cada dia a beleza de poder realizar o gesto redentor do cuidado que protege a vida de todas as ameaças: restaurando forças, tratando feridas e reafirmando que o amor é mais forte que a morte.