Construindo pontes com as pessoas LGTB... (Entrevista com o Pe. J. Martin SJ)

Pe. James Martin, por que escrever um livro dedicado à acolhida das pessoas LGBT? Por muitos anos, eu conduzi um ministério informal com as pessoas homossexuais e transexuais (LGBT), especialmente em conversas e na direção espiritual. Mas, depois dos massacres em uma boate gay em Orlando, Flórida, quando 49 pessoas foram mortas, eu senti que tinha chegado o momento de ser mais público no apoio à comunidade LGBT. As pessoas LGBT são o grupo mais marginalizado na Igreja Católica, e, por isso, eu quis tentar construir uma ponte entre a comunidade LGBT e a Igreja institucional, utilizando os instrumentos mencionados no Catecismo. Mas a razão fundamental para acolher as pessoas LGBT é que o ministério de Jesus foi a acolhida a todos, e todos deveriam se sentir bem-vindos na nossa Igreja

O que as pessoas homossexuais querem da Igreja? A mesma coisa que todos querem, sentir-se em casa. Devemos lembrar que, por causa do seu batismo, os católicos LGBT já fazem parte da Igreja, assim como o Papa, o Bispo local ou eu. A Igreja é a sua casa, mas, às vezes, ela age como uma fortaleza projetada para mantê-los do lado de fora.

Se Jesus estivesse vivo hoje, como se comportaria com os homossexuais? Jesus muitas vezes frequentava aqueles que se encontravam às margens, nas “periferias”, como diz o Papa Francisco. Basta considerar algumas pessoas que ele conheceu durante o seu ministério público: Centurião romano, cobrador de impostos, samaritana... Jesus vai constantemente às periferias, movendo os seus discípulos cada vez mais para o lado de fora, e trazendo cada vez mais para dentro aqueles que estão fora. Os que estão dentro são encorajados a ‘sair’; e os que estão fora a ‘entrar’. Na minha opinião, o primeiro grupo de católicos que Jesus iria buscar hoje são os mais marginalizados: as pessoas LGBT.

O Catecismo da Igreja Católica diz basicamente duas coisas sobre as pessoas homossexuais: que elas devem ser acolhidas, mas, ao mesmo tempo, pede que elas vivam castamente. Não é uma contradição? Para muitas pessoas LGBT parece uma contradição. Para mim, não é. Muitas pessoas LGBT já vivem como célibes. No entanto, persistimos perguntando se deveríamos acolhê-las. É claro que devemos: são católicos. E, mesmo quando as pessoas não vivem em situações regulares, elas deveriam ser acolhidas também. Porque a Igreja é uma Igreja de pecadores amados por Deus. Todos nós somos pecadores necessitados de misericórdia. Mas o ponto principal é este: por alguma razão, são apenas as pessoas LGBT que têm as suas vidas postas sob a lente do microscópio. Nós as submetemos a um controle que nenhum outro grupo é forçado a enfrentar.

A homofobia está presente na Igreja? Certamente. Hoje, esse é um dos principais pecados da Igreja. Ouvi inúmeras histórias de católicos LGBT insultados pelos seus padres, particularmente ou no púlpito, aos quais foi até pedido que deixassem a paróquia. É algo extraordinariamente doloroso de se ouvir. Grande parte disso deriva do medo. Medo da pessoa que não entendemos. Medo da pessoa que não encontramos. Medo da pessoa que vemos de acordo com estereótipos. Isso dificulta amar. São Paulo disse: O amor perfeito exclui o medo... O medo impossibilita amar

Alguns criticaram o fato de que um cardeal da Cúria Romana lhe dedicou o prefácio do livro. Por quê? Não surpreende que algumas pessoas tenham criticado o prefácio de um cardeal. E, a propósito, eu fiquei muito grato pela aprovação do cardeal Farrel e do cardeal Tobin. Como disse, há grande medo e incompreensão em torno dos católicos LGBT. Tudo isso é irônico, porque o meu livro é bastante moderado. Ele não desafia nenhum ensinamento da Igreja, e a base do livro é o Catecismo, que nos pede para tratar as pessoas LGBT com “respeito, compaixão e sensibilidade”. Se alguém tem um problema a esse respeito, o tem não com o meu livro, mas com o Catecismo da Igreja Católica. Eles têm problema com o Papa Francisco. E, se eles têm um problema com o amor, a misericórdia e a compaixão, então eles têm um problema com o próprio Jesus.

Por que a direita católica critica quem fala de acolhida aos homossexuais? Essa é uma ótima pergunta. Eles pensam que “acolher” significa estar de acordo com tudo o que qualquer pessoa LGBT diz ou faz, o que não é verdade. Quando “acolhemos” os líderes empresariais católicos, por exemplo, não concordamos com tudo o que eles fazem nos seus negócios... Portanto, há um grande equívoco. A homofobia deriva do fato de não conhecer muito bem as pessoas LGBT. Às vezes, quando me criticam, eu pergunto: O que os seus amigos LGBT dizem?”. E eles não respondem, porque, não tem amigos LGBT. Isso é triste.

Jesus disse que, no céu, as prostitutas vão nos preceder. Podemos dizer que muitos santos podem ser gays? Não quero comparar as pessoas LGBT com as prostitutas, porque a questão é diferente. Muitas pessoas LGBT levam uma vida santa. Por exemplo, um amigo gay cuidou, por muitos anos, o seu parceiro com uma doença incurável. Esse é um caminho para a santidade. E, certamente, há santos canonizados pela Igreja que tinham uma orientação homo-afetiva. Isso não significa que fossem sexualmente ativos. Se uma certa porcentagem da humanidade nasce gay, então uma certa porcentagem dos santos também deve ter sido gay. Quais? É impossível dizer. Mas muitos daqueles que são contra a acolhida às pessoas LGBT provavelmente ficarão surpresos quando chegarem ao céu e forem acolhidos por esses santos LGBT.

Que fato do evangelho se aproxima mais da ideia da acolhida às pessoas LGBT? Para mim, a história de Zaqueu, no Evangelho de Lucas (19, 1-10). Zaqueu, pecador público e chefe dos cobradores de impostos em Jericó. Zaqueu subiu no sicômoro, tentando ver “quem era Jesus”. A figura de Zaqueu é muito similar à pessoa LGBT: Eles tentam ver quem é Jesus, se aproximar dele, são considerados pecadores públicos, e precisam percorrer um longo caminho para chegar perto dele. E como Jesus trata Zaqueu? Ele não grita “pecador!”. Não, ele lhe diz: “Hoje, devo ir à sua casa...”. Sinal de acolhida pública. Zaqueu fica feliz a ponto de pagar seus credores e, depois, ocorre a sua conversão. O povo de Jericó “murmurou” sobre a escandalosa acolhida feita por Jesus, como hoje as pessoas “murmuram” quando se fala de acolher as pessoas LGBT. Para Jesus, primeiro vem a acolhida, depois a conversão. Para Jesus não há ninguém que seja “outro”. Não há um “nós” e um “eles”. Há apenas um “nós”. Esse é o coração da acolhida.


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