Encontro do Papa Francisco com os bispos luteranos...
É um fato muito bonito e importante. É a primeira vez que um Papa comemora a Reforma. Isso é um passo gigantesco no Ecumenismo. Participar nessa comemoração significa considerar a Reforma como um evento positivo na história da Igreja, e que também fez bem ao catolicismo. É um gesto de grande relevância, pois o Papa se dirige para Lund, casa dos luteranos, como se fosse alguém da família. Dá a impressão que Francisco também se sente parte daquela porção de cristandade que nasceu da Reforma.
Qual foi e poderá ser a contribuição do Papa Francisco no caminho da unidade dos cristãos?
A principal contribuição é o seu esforço de reinventar o papado, a busca de um modo novo e diferente de viver o ministério do bispo de Roma. O papado, pelo modo em que foi entendido e vivido nos últimos 1.000 anos, é um dos grandes obstáculos para a unidade dos cristãos. O Papa Francisco está se movendo para um modelo de papado diferente do tradicional, em relação ao qual as outras Igrejas cristãs poderiam assumir posições novas.
Quais os passos mais significativos do diálogo católico-luterano nos últimos 50 anos?
Houve acordos muito importantes: A "Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação", 1999, na qual aparece a criação de uma nova fórmula de entendimento ou de pacto entre as Igrejas, o "consenso diferenciado". Chegou-se a um acordo sobre os fundamentos da doutrina, embora permaneçam as diferenças.
Houve outros acordos significativos: o da Eucaristia (embora não tenha produzido mudanças substanciais. A hospitalidade Eucarística, oficialmente, ainda não é realizada. Não estamos mais "uns contra os outros armados", mas há um intercâmbio bonito, e partilha em comum dos dons que cada um pode ter recebido de Deus.
Os dramas, dificuldades e sofrimentos do nosso tempo podem constituir um estímulo para a recomposição da unidade?
As circunstâncias históricas podem solicitar e favorecer um caminho mais rápido para a unidade: prova disso são algumas iniciativas que protestantes e católicos promovem juntos para enfrentar os problemas da contemporaneidade. Penso que, se a comunhão não nascer da fé, da esperança e do amor (núcleo do cristianismo), ela vai acabar sendo fraca ou desmoronando quando os problemas que a suscitaram forem resolvidos. É preciso trabalhar com paciência a dimensão espiritual, porque só desse modo é possível construir uma comunhão duradoura.
Quais são as iniciativas mais interessantes lançadas em conjunto por católicos e protestantes?
Os Conselhos das Igrejas Cristãs constituídos em algumas cidades (Milão, Veneza...). Esses conselhos se encontram periodicamente e atuam de muitos modos e em muitas frentes. Em alguns países também existem os Conselhos Nacionais das Igrejas Cristãs (CONIC). Essa é a iniciativa mais relevante, e os os encontros promovidos pela Conferência das Igrejas Europeias ( protestantes e ortodoxas) e pelo Conselho das Conferências Episcopais Católicas da Europa. Esses dois organismos organizam assembleias comuns de grande interesse e valor ecumênico.
Os fiéis católicos e protestantes sentem a divisão da Igreja como uma ferida?
Eu diria que não. O tema da unidade dos cristãos é sentido apenas por algumas minorias. A divisão é uma ferida grave. Quando os cristãos de confissões diferentes vivem uns ao lado dos outros, sem ter nem buscar qualquer relação entre eles, isso significa que eles se sentem cristãos autossuficientes, que bastam a si mesmos para realizar a plenitude do cristianismo. Isso é uma ilusão! O cristão não é e nunca pode se considerar autossuficiente. Aqui somos socorridos pela belíssima parábola do corpo de Cristo proposta por São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (12, 12-26). Assim como o olho precisa da mão, e a cabeça, dos pés, assim também cada cristão precisa não só do outro semelhante a si mesmo, mas também daquele que é diferente de si mesmo. Essa diversidade é manifestação da obra do Espírito, que suscita multiplicidade e variedade de dons. O cristianismo é um fato plural, e, nesse sentido, a multiplicidade e diversidade das Igrejas é algo normal. O que é anormal é a divisão. A diversidade é cristã, a divisão, não. Precisamos superar a divisão sem apagar a diversidade.
No documento "Do conflito à comunhão" (Comissão Internacional Católico-Luterana, em 2013), afirma: "Em 2017, devemos confessar abertamente que somos culpados diante de Cristo por termos rompido a unidade da Igreja. Este ano jubilar nos apresenta dois desafios: purificação e cura das memórias, e a restauração da unidade dos cristãos de acordo com a verdade do Evangelho de Jesus Cristo". Como esses compromissos vão se traduzir?
Eu não saberia dizer. Certamente, são objetivos não a curto prazo. A "purificação da memória" é importante. Purificar não é esquecer o passado, mas relê-la juntos. Em relação à unidade da Igreja, a premissa necessária é o reconhecimento – por parte da Igreja Católica e das Igrejas ortodoxas – das comunidades protestantes como Igrejas de Jesus Cristo, e não só como "comunidades eclesiais". Essa falta de reconhecimento é, para os filhos da Reforma, uma ferida dolorosa.
Com que sentimentos se prepara para viver a comemoração da Reforma?
Eu tenho 80 anos. Sou grato a Deus por ter chegado a este encontro. A Reforma foi uma bênção para o cristianismo e para a Igreja Católica. Sem a Reforma, o catolicismo teria sido incapaz de formular um projeto de reforma própria (Concílio de Trento). A Reforma deu origem a um novo tipo de cristianismo, a um repensamento original da fé:uma nova articulação do fenômeno cristão. A Reforma criou um novo modelo de Igreja cristã e um novo modo de se situar, como Igreja, na sociedade. Se eu olho para o futuro do diálogo ecumênico, eu sou otimista. Deus maravilhas em nós. O grande problema é a questão do poder, que ninguém quer perder. Será preciso repensar o poder na Igreja, nas Igrejas e entre as Igrejas.