A difícil arte do encontro

Após as eleições, paira no ar uma sensação de depressão pós-parto. Tanto
em vencedores como em vencidos.
Os que tiveram seus candidatos eleitos esperam
preocupados como se delineará a governabilidade. Os primeiros gestos, decisões,
semeiam mais insegurança que firmeza. Desconcertam, angustiam. Parece que não
se entende os rumos de um tempo diferente com outro estilo que começa.

Os que foram derrotados nas urnas se dividem. Alguns optam pela
oposição, resistência e combate cerrados. Outros preferem esperar para verificar,
pagar para ver ou até deixar que o adversário vencedor fracasse e mostre sua
verdadeira cara. Apostam que a governabilidade inexistirá e então a incompetência de
uma vitória indevida mostrará sua verdadeira face de ilegitimidade e incapacidade de
responder aos desafios e responsabilidades concedidos pelas urnas.

Em todo caso, o que temos é um país dividido, desencontrado. Famílias se
indispuseram ou até, em alguns casos, cortaram relações entre seus
membros. Amizades de anos foram interrompidas e palavras de acusação e raiva
pronunciadas onde antes reinava harmonia e companheirismo. Relações foram
perdidas e parece muito difícil refazê-las. Em suma, o panorama nacional mostra um
tremendo desencontro.
Enquanto isso, o papa Francisco fala da importância de construir uma cultura
do encontro.
Não se trata certamente de um discurso piedoso e fácil adotado pelo
pontífice para dizer a todos que se amem e respeitem sem nenhuma dificuldade ou
obstáculo. Longe disso. Para o papa, a cultura do encontro é um estilo de vida e uma
atitude, fruto de uma experiência e um itinerário pessoal, agora proposta à Igreja e à
sociedade como um todo.
Diante da cultura do fragmento, da desintegração e da divisão é importante,
afirma o pontífice, não favorecer os que pretendem capitalizar o ressentimento
, o
esquecimento das relações vividas e desfrutadas, ou os que se deleitam em debilitar
vínculos e laços. Esse seria, a seu ver, o caminho para superar os desencontros que
sucedem na sociedade.
Tão importante é a construção da arte do encontro, que antes mesmo de
Bergoglio o poetinha maior de nosso país, Vinicius de Moraes, disse: “A vida é a arte
do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
Com sua imensa
sensibilidade, queria o poeta ressaltar algo que é constitutivo e visceral no ser
humano: sua vocação para a relação, para o afeto, o amor, aquilo que configura e
realiza o que chamamos encontro.
Assim também parece entender o papa. Quando ainda era arcebispo de
Buenos Aires, Argentina, várias vezes se empenhou em instar a seus compatriotas a
superar os desencontros e refundar os vínculos sociais, políticos, na abertura e na
esperança. Agora, desde o Vaticano, onde lidera a Igreja e fala também ao mundo,
Francisco não se cansa de repetir esse convite, que consiste em abrir-se à alteridade
do outro, aproximar-se, vincular-se, construindo com esperança uma nova
mentalidade, um novo estilo de vida, uma nova cultura, onde seja possível o encontro,
o diálogo e a comunhão.

Há que admitir que é muito difícil. A tentação do desânimo diante desta
proposta vem carregada da pesada tinta da impossibilidade.
Como dispor-se ao
encontro e ao diálogo com quem parece querer conduzir o país na direção oposta
daquela em que acreditamos? Como apostar em um possível consenso com pessoas
e grupos que parecem falar outra língua, oposto idioma àquele em que acreditamos,
que detém os códigos comunicacionais da justiça, do direito, da paz e da
prosperidade?
Mais: como fazer esta busca de encontro, consenso e acordo se transformar
em verdadeira cultura, que procura o que une em lugar do que divide, e não recua
diante de nenhum gesto, atitude ou palavra que possa fazer acontecer a solidariedade
e a comunicação?
É duro acreditar que isso poderá ocorrer, sobretudo quando
escrevo este artigo no momento seguinte à decisão que liquida com a presença dos
médicos cubanos no Brasil e não há como não se pensar que uma represália política
deixará na orfandade sanitária milhões de pessoas nos lugares mais pobres e
vulneráveis do país.
É duro, porém mais que nunca necessário. O encontro pode acontecer,
mesmo com dificuldade, quando há ao menos um objetivo comum.
E este existe e
está diante de nossos olhos. Todos queremos o bem do país. Todos queremos o
povo brasileiro respirando com liberdade, esperança, vendo a perspectiva de um
futuro melhor para seus filhos e netos. Enrijecer-se nas divisões certamente não
ajudará o Brasil a conseguir esse objetivo.
O povo brasileiro, sempre inspirado na arte de sobreviver a toda
impossibilidade, de esperar contra toda esperança e alegrar-se mesmo e sobretudo
sem motivo algum, tem agora diante de si este desafio: tornar-se perito na arte do
encontro.
Aprofundar as divisões não nos levará longe. É preciso, é urgente desarmar
espíritos e buscar possíveis consensos. Sem eliminar o respeito às diferenças, a
resistência ao que é nefasto, a denúncia do indefensável. A difícil arte do encontro
deve fazer-se ainda que em meio a esse mar de desencontros em que vivemos agora.
O Brasil merece e precisa.
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