CORPUS CHRISTI: Mistério de comunhão... (cf- Pe. A. Palaoro SJ)
É esse o sentido que a festa de “Corpus Christi” nos revela, festa do Corpo histórico e humano de Jesus, amado, rejeitado, crucificado, morto e ressuscitado. É também a festa do grande Corpo de Cristo que é a Humanidade inteira. Corpo real de Cristo são especialmente todos os que sofrem: os enfermos e famintos, os rejeitados e encarcerados, os pobres e excluídos... Eles são a humanidade ferida no Corpo do Filho de Deus.
Corpo de Cristo é também o universo inteiro, criado por Deus para que nele habitasse seu Filho. Jesus, na Ceia, ao tomar o pão e o vinho em suas mãos, abraçou os bilhões de anos de evolução e chama-os de seu Corpo e de seu Sangue.Cada cristão, ao fazer “memória” do Corpo de Jesus, entra em comunhão com todas as energias da Criação.
Corpo de Cristo que continua sendo o Pão, fruto da terra e do trabalho dos homens e mulheres, todo pão que alimenta e é compartilhado, em fraternidade, a serviço dos que tem fome.
“Corpus Christi” também nos motiva a perguntar: Como viveu Jesus, em sua corporalidade, a relação com o Pai, com os outros e com a natureza? Como somos convidados a viver nossa corporalidade?
Jesus não compactuou com a visão dualista do ser humano (corpo e alma).Para Ele, tudo era sacramento, epifania de Deus, revelação do Reino, história de salvação... Ele escandalizou a alguns proclamando que o “puro” ou “impuro”, não está fora, em ritos e prescrições. Não são impuros os enfermos, as mulheres menstruadas, os leprosos, as prostitutas...; a “pureza” está no coração que nos permite um olhar límpido, não possessivo, egoísta, invejoso ou violento...
Jesus levou a sério a questão do corpo. Cuidou do seu descanso e o daqueles que com Ele compartilhavam o mesmo caminho; deixou-se acariciar e ungir sua cabeça e seus pés com perfumes por algumas mulheres, algumas delas malvistas pelos rótulos preconceituosos que os varões lhe impunham; curou corpos atrofiados pela doença e fragilizados pela exploração... Ele sabia olhar, tocar, sustentar, acariciar...
Na última Ceia descobrimos que suas palavras (“istoé o meu corpo”) e seus gestos (partir e repartir o pão) constituem a essência afetiva e social (de amor e justiça) do cristianismo. Eucaristia é corpo doado, expansivo e oblativo... Não são necessários grandes templos e nem suntuosas procissões para celebrar a festo do Corpo de Deus; basta a vida que se faz doação e partilha, no amor, como Jesus fez. Nosso humilde corpo é parte da Criação inteira e nosso bem-estar faz sorrir a natureza. Não há experiência de amor, nem experiência de Deus e dos outros que não ocorra em nosso corpo.
O nosso corponos pede espaço, tempo, atenção, alimento e, sobre tudo descanso e bem-estar, inspiração e contemplação... O corpo não é só a unidade de nossos membros, mas a presença de nossa pessoa; por ele estamos e somos.
O corpo é o companheiro inseparável de nosso caminho. É preciso senti-lo, percebê-lo, escutá-lo. O corpoé “lugar” teológico da manifestação de Deus, morada do divino, habitação do Espírito... Quem não escuta nem percebe seu corpo não pode compreender o sentido da vida, do amor, das relações... pois cairá no narcisismo de seu próprio ego.
Não é possível viver feliz sem relações amistosas e próximas com o corpo. Para conhecer-se é necessário acolher o corpo, querer o corpo, observar o corpo, olhar para dentro do próprio corpo,com atitude reverente. Minha casa é meu corpo, o templo onde Deus se revela a mim. Só eu posso habitar e possuir meu corpo. Eu me identifico com meu corpo, sem o qual não posso viver. Deus, com seu Espírito, anima meu corpo; mas não pode habitar em mim a graça de Deus sem a colaboração e a abertura de meu corpo.
Nosso corpo constitui nossa presença no mundo; a acolhida do próprio corpo nos projeta para uma relação sadia com o corpodo outro, e o cuidado do corpodo outro determina nossa relação com Deus (cf. Mt 25,31-46). O corpo do ferido, do faminto, do preso... tornam-se “territórios sagrados” onde crescemos e humanizamos; “lugares” nos quais Deus revela seu rosto compassivo.
O corpo é um documento histórico: há corpo burguês e corpo proletário, corpo de cidade e corpo de roça; há corpos explorados e corpos que são só força de trabalho; corpos que são modelos anatômicos, e os “corpos empobrecidos” que gritam a Deus por justiça.
Celebrar “Corpus Christi” é “cristificar” nossos corpos.