A Justiça do Reino... (cf. Pe. A. Palaoro SJ)
A justiça não é uma virtude como as outras; é o horizonte de todas. Todo valor a supõe e toda a humanidade a requer.
A palavra “justiça” evoca, em 1º lugar, uma ordem jurídica (“jus”, em latim), o respeito à lei. A noção moral é mais ampla: a justiça dá a cada um o que lhe é devido. Mas, no sentido bíblico, “ser justo” é “ajustar-se” ao modo de ser e de agir de Deus.
Justiça, então, é integridade do ser humano, misericórdia, bondade e santidade de Deus... Justiça é a sabedoria posta em prática e ensina temperança, prudência e coragem...
Para os judeus, a justiça é um empenho apaixonado em favor do direito das pessoas. A justiça entra em cena nas relações entre Deus e o seu povo, e entre os homens. Ela está presente nos campos jurídico, social, ético e religioso. Ela significa mais agir do que ser.
A justiça divina é vista como “a mais sublime bondade” ou uma “força que salva”, é o amor aberto e libertador.
No NT, a “justiça do Reino” se exprime na maneira na forma de proceder com os outros. É uma justiça que radicaliza a nossa vida e nos faz participar já do Reino messiânico. A nova justiça é, antes de tudo, uma exigência de amor entre as pessoas.
Jesus recupera o sentido e o espírito da Lei e não a interpretação casuística. A Lei é mediação para expandir-se em direção aos outros e a Deus. Nela mesma, não tem sentido, desumaniza. É legalismo. Quando a Lei nos abre aos outros ela se revela humanismo; do contrário, cai-se no farisaísmo.
A preocupação de Jesus não era as minúcias da Lei, mas a prática do amor misericordioso, de modo especial em relação aos pobres e marginalizados. Na vivência do amor não podemos descuidar nem da menor lei. Quando estava em jogo a defesa da vida, Jesus não transigia.
Na relação com os outros somos chamados a ir além da Lei. A lei estipula limites; o amor, pelo contrário, não tem limites.
Quando alguém busca a vontade do Pai vai sempre além do que pedem as leis. Para construir o mundo mais justo e humano, que Deus deseja para todos, o importante é contar com pessoas que se pareçam com Ele. A prática da justiça é infinitamente superior à lei.
Quem ‘não mata’, cumpre a lei, mas se não arranca de seu coração a agressividade, o desprezo, os insultos e as vinganças, não se parece com Deus. Aquele que não comete adultério cumpre a lei, mas se deseja egoisticamente a esposa de seu irmão, não se assemelha a Deus. Nestas pessoas reina a Lei, não Deus; são observantes, mas não sabem amar; vivem “corretamente”, mas não construirão um mundo mais humano.
A radicalidade exigida por Jesus aponta para o coração. O texto insiste em priorizar a reconciliação antes de fazer a oferenda no altar. Primeiro a justiça, depois o culto.
E essa interioridade, por sua vez, se expressa no modo de olhar, de agir. É preciso arrancar do coração o olhar possessivo, e a ação egoísta. Segundo a mentalidade oriental, olho direito é o olho consciente, masculino, que domina, avalia e julga, é o olhar do avarento que deseja possuir tudo.
O olho esquerdo é o olho inconsciente, feminino, que aceita, admira, observa e percebe.
A mão direita é a mão do realizador, daquele que se julga capaz de conseguir tudo que deseja; a mão esquerda é a mão feminina, carinhosa, que toca e cura.
Aquele que vê tudo só com seu olho direito, que se apodera de tudo, alimenta uma divisão interior e acaba criando seu próprio inferno e caos interior.
Aquele que pensa que pode controlar tudo com sua mão direita, reprime muitos impulsos oblativos e abertos de seu coração, e acabará lançado no fogo de suas regiões reprimidas.
Vivamos, pois, na justiça do Reino!