Benedikt XVI. Ein Leben, escrita por Peter Seewald, "um prazer intelectual imenso" Anselmo Borges: Bento XVI. Uma vida (I)

Bento XVI
Bento XVI

Nos últimos dois meses, foi para mim um prazer intelectual imenso poder ler a sua biografia — são 1150 páginas —, escrita por Peter Seewald: Benedikt XVI. Ein Leben (Bento XVI. Uma vida)

Pude acompanhar 90 anos de história, tentarei apresentar rapidamente alguns flashes desta biografia

Encontrei uma vez em Roma Bento XVI, ainda não era Papa. A impressão com que fiquei: um homem afável e tímido. No encontro rápido, falou-me da importância decisiva da pastoral da inteligência.

Nos últimos dois meses, foi para mim um prazer intelectual imenso poder ler a sua biografia — são 1150 páginas —, escrita por Peter Seewald: Benedikt XVI. Ein Leben (Bento XVI. Uma vida). Pude acompanhar 90 anos de história, a brutalidade esmagadora da Segunda Guerra Mundial, os filósofos e teólogos que também estudei, a reconstrução da Alemanha e da Europa, os debates teológicos que levaram ao Concílio Vaticano II, a primavera do Concílio e o inverno que se seguiu, Maio de 68, o cardeal Ratzinger como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, Bento XVI como Papa e a sua renúncia, o Papa Francisco... Em três crónicas simples — previno que a obra não é fácil —, tentarei apresentar rapidamente alguns flashes desta biografia.

Uma família modesta: o pai era polícia e a mãe cozinheira. Três filhos: Maria, nascida em 1921, Georg, em 1924, Joseph em 1927, às 4.15 de Sábado Santo. No mesmo dia, às 8.30 já estava na igreja para ser baptizado com a nova água pascal, acabada de benzer, e ao som do canto do Glória: “Cristo ressuscitou”.

Ratzinger viu sempre neste acontecimento um símbolo decisivo, que o acompanhou durante a vida toda: Sábado Santo a falar da “situação da história humana, da situação do nosso século, mas também da minha vida. Aí estão, por um lado, a escuridão, a incerteza, a interrogação, os perigos, as ameaças, mas também, por outro, a certeza de que há luz, de que vale a pena viver e avançar. Neste sentido, esse dia a que Cristo preside — misteriosamente oculto e simultaneamente presente — tornou-se um programa para a minha vida”. Foi neste sentido que G. Steiner também escreveu que é em Sábado que vivemos: entre os horrores de Sexta-Feira Santa e a esperança do Domingo de Páscoa.

Depois, Hitler. Aos 16 anos Joseph foi chamado para o exército hitleriano, de que desertou aos 18. No caminho do regresso percebe-se mais intensamente a desolação causada pela guerra. “Quando de repente me apresentei vivo diante dele”, o pai nem queria acreditar. E a mãe prepara-lhe de comer. Há pouco, mas a mãe tem salada fresca, um ovo das suas galinhas e um bocado de pão: “Na minha vida nunca mais tive uma refeição tão preciosa como esta refeição simples que a mãe preparou com os frutos da sua horta.”

Benedicto XVI

O terror do nazismo influenciou a sua decisão para toda a vida, como ele próprio sintetizou: “Na fé dos meus pais tive a confirmação do catolicismo como um bastião da verdade e da justiça contra aquele reino do ateísmo e da mentira, que o nacional-socialismo encarnou.” O jovem de 18 anos está agora preparado para a entrega radical da sua existência a uma vida para Deus, pois a decisão fundamental veio com o fim da guerra: “Agora, já não tinha nenhuma dúvida quanto à finalidade e objectivos da minha vida, sabia qual era o meu lugar.”

Regressou, pois, ao seminário, com o irmão Georg, que comentou que a guerra tinha tornado o irmão “realmente adulto”. A mãe, que se sentiu contente e orgulhosa pelos filhos, não deixou de avisá-los: “Se não for a vossa vocação, é melhor vir embora.”

Ratzinger acompanhava as aulas com entusiasmo e diligência. Sente que é necessário um novo começo para a Igreja: “Acreditávamos conduzir a Igreja para um novo futuro”. E vão ficando as influências filosóficas e teológicas que lhe marcarão a vida, concretamente o pensamento dialógico e sobretudo Santo Agostinho: “Sinto-o como um amigo, um contemporâneo que fala para mim”, confessa.

Entretanto, esclarece que “durante os seis anos de estudante de Teologia teve dúvidas quanto à vocação e que o assaltaram muitos problemas e perguntas bem humanos: O celibato é realmente para mim? Ser padre é realmente para mim? Estarei preparado para isso para a vida toda? É realmente a minha vocação?” O que é facto é que, já próximo das chamadas “ordens menores”, com a tonsura, caiu enamorado. O biógrafo volta aos últimos encontros com Bento XVI, já retirado, para esclarecer melhor: - “Falou nas suas memórias de um ‘tempo de grandes decisões dolorosas’. Em que consistiu exactamente este sofrimento?” O Papa emérito respondeu, sorrindo com satisfação, que se trata de algo demasiado pessoal, sobre isso não pode dizer nada.

— “Enamorou-se de uma rapariga?” — “Talvez”. – “Claro que sim”. – “Poder-se-ia interpretar dessa maneira.”

– “Quanto tempo durou este tempo doloroso? Algumas semanas? Uns meses?” – “Mais, mais tempo”. Para quem conhece Ratzinger, comenta o biógrafo, percebe que se trata de uma confissão. Sabe que lhe é exigido um sacrifício, uma renúncia, mas “não se decide contra a amiga, decide-se por algo: seguir uma missão. A luta interior durou muitos meses. Até à ordenação de diácono no Outono de 1950, quando deu ‘o seu Sim convicto”. Quem era a rapariga? Ainda vive? De qualquer forma, o biógrafo escreve que, sendo o amor um dos seus temas centrais como teólogo e Papa, lhe perguntou se o vivenciou pessoalmente com sentimentos profundos ou se isso foi só um tema filosófico. A resposta do Papa emérito: “Não, não. Quem o não experienciou não pode falar sobre ele. Eu senti-o primeiro em casa, com o pai, a mãe, os irmãos. E não quereria entrar em pormenores privados, mas fui tocado por ele em diversas formas e dimensões. Percebi cada vez mais que ser amado e dar amor aos outros é fundamental para se poder viver.”

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