Dia Mundial das Missões Mais oração, mais missão
O desafio cultural da missão é hoje grande, exigindo-nos mais capacidade de escuta e mais disponibilidade dialogante, ouvindo o que nos dizem e dizendo o que nos cumpre
Caríssimos irmãos Bispos, presbíteros e diáconos. Caríssimos consagrados e leigos. Caríssimos todos os que vos entregais generosamente à missão, nas várias latitudes geográficas, sociais e culturais onde o Evangelho há de chegar. Caríssimos membros do Apostolado da Oração – Rede Mundial de Oração do Papa, nos 175 anos que comemoramos:
Celebramos hoje aqui a realidade missionária, como existe e há de crescer entre nós e de nós para o mundo, neste ano que lhe dedicámos e neste mês que o Papa Francisco extraordinariamente lhe destinou.
Graças a Deus que o fazemos, pois só com a Sua graça o conseguimos. Oração e missão andam a par. A missão de Jesus arranca da união ao Pai, a missão da Igreja não acontece doutro modo.
Ouvíamos há pouco São Paulo a exortar Timóteo: «Caríssimo: Permanece firme no que aprendeste e aceitaste como certo […]. Proclama a Palavra, insiste a propósito e fora de propósito…».
Bom fundamento para o que aqui celebramos hoje. Na verdade, o Apóstolo juntava firmeza na fé e proclamação da Palavra, como atitudes simultâneas de todo o cristão, que o queira realmente ser. Não vai uma sem a outra, antes se enriquecem mutuamente. A fé confirma-se na missão e a missão confirma a fé.
– O que aprendemos, de facto, senão que Deus veio ao nosso encontro em Jesus Cristo? E o que ouvimos a Cristo senão que devemos propagar isso mesmo a todos e em qualquer parte e circunstância? Quem acredita em Cristo, acredita-O no mundo, continuando-Lhe a missão, no impulso do mesmo Espírito.
Escreve o Papa Francisco na Mensagem para este Dia: «A fé na Páscoa de Jesus, o envio eclesial batismal, a saída geográfica e cultural de si mesmo e da sua própria casa, a necessidade de salvação do pecado e a libertação do mal pessoal e social exigem a missão até aos confins da terra».
Lembremos quem partiu e parte, hoje como outrora, para terras distantes onde o anúncio do Evangelho ainda tarda, ou é recente, e as comunidades que origina são frágeis e carentes de apoio. Agradeçamos a Deus tanta generosidade que desperta nos corações missionários - sacerdotais, consagrados e laicais.
E relembremos sempre que Jesus ligou a quantidade e qualidade dos operários da sua messe à nossa oração nesse sentido. Concluamos assim, pela positiva: mais oração, mais missão.
A geografia da missão é hoje especial e complexa. Rapidamente se vai de um lado a outro e a comunicação pode ser instantânea e contínua. Sê-lo-á cada vez mais, chegando rapidamente a qualquer ponto que ainda não atinja. A mega concentração urbana, fenómeno mundial e crescente, vai ocasioná-lo também. Podemos ser agora mesmo motivados por factos e mensagens que nos cheguem do outro lado dum mundo sem fronteiras mediáticas.
Tenhamos porém em conta que a aglomeração quantitativa de pessoas e etnias não significa só por si o reconhecimento mútuo e a comunicação interpessoal autêntica. O desafio cultural da missão é hoje grande, exigindo-nos mais capacidade de escuta e mais disponibilidade dialogante, ouvindo o que nos dizem e dizendo o que nos cumpre. Por vezes o “sair de casa”, em sentido missionário, pode significar virar a esquina e entrar num mundo bem diferente ali ao lado. Isso mesmo reconheceu há uns anos a exortação apostólica Ecclesia in Europa: «Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos, onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização. […] Mesmo no “velho continente” existem extensas áreas socias e culturais, onde se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes» (S. João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, 28 de junho de 2003, nº 46).
Por isso se combinam e mutuamente enriquecem a antiga e a nova incidência da missio ad gentes, trazendo para perto o que se aprendeu a fazer lá longe e projetando longe o ânimo evangelizador que despertar aqui.
É consolador verificar como as comunidades onde a conversão missionária está realmente em curso tanto originam experiências de missão longínqua como crescem na evangelização dos meios mais próximos. O mesmo Cristo que desenvolveu a sua ação em pouco espaço, espera-nos agora na “Galileia” do mundo inteiro, geográfica e culturalmente falando.
Escrevemos nós, os Bispos portugueses, na Carta Pastoral “Como Eu vos fiz, fazei vós também” – Para um rosto missionário da Igreja em Portugal, nº 6: «… uma comunidade evangelizadora sente-se continuamente obrigada a expandir a sua presença missionária em todo o território confiado ao seu cuidado pastoral e também na missão orientada para outros povos». O impulso é o mesmo: ficando ou partindo, regressando ou voltando a partir, o campo é o mundo inteiro, distendido ou concentrado. Tudo cresce ao mesmo tempo e mutuamente se enriquece.
Especialmente agora, quando, além da presença física, acresce a mediática, abrindo novas possibilidades à evangelização que importa. Lembro, a propósito, que foi neste dia, já lá vão quarenta anos, que começou o programa televisivo 70x7, pioneiro neste campo entre nós. Ao seu iniciador, Cónego António Rego, e a todos os seus colaboradores e continuadores até hoje, a nossa gratidão e companhia. E estimulamos tudo quanto tem aparecido entretanto, no mesmo sentido e com igual criatividade.
Continuemos, pois, e avancemos mais na conversão missionária das nossas comunidades, como o Papa Francisco tanto insiste. Com ele insistimos também, os Bispos portugueses, na Nota Pastoral para este ano e mês missionário Todos, tudo e sempre em missão, nº 2: «Não podemos ficar tranquilos, em espera passiva: é necessário passar de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária». Façamos desta palavra de ordem o critério de avaliação permanente do estado das nossas comunidades - paróquias, movimentos e grupos.
Sem esquecer, entretanto, que a missão não parte de nós, nem a conseguiríamos sozinhos. Parte de Deus Pai, começa em Cristo e realiza-se no Espírito. Tudo o que é de Deus – e sumamente a salvação do mundo – só com Deus pode acontecer.
O povo antigo teve de aprender isto mesmo e reaprendê-lo uma e outra vez. Como no episódio que escutámos na primeira leitura, a vitória sobre os amalecitas decidiu-se na oração de Moisés. E aquela era uma vitória militar, quanto mais as das convicções! A própria fé, a adesão vital e consciente a Cristo e ao Evangelho, exige-nos o anúncio, mas apenas Deus a concede. É, não esqueçamos, uma virtude “teologal” que em Deus tem unicamente a fonte e a força.
Oração e missão andam essencialmente a par, brotando a segunda da primeira. E quanto mais insistente for a prece, como ilustrava a parábola evangélica. A persistência daquela viúva conseguiu que o mau juiz lhe fizesse justiça. Para Jesus concluir: «E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite?» A justiça de Deus é a salvação do mundo, que a missão alarga e a oração garante.
Quando há 175 anos o Padre Gautrelet iniciou o Apostolado da Oração, fê-lo com um pequeno grupo em França. Estávamos a meio daquele grande século missionário, onde mais evangelizadores partiram da Europa para o mundo inteiro. E terá sido também o Apostolado da Oração o movimento que mais se espalhou pelas nossas paróquias portuguesas, garantindo a vida da fé em tempos particularmente difíceis para a própria sobrevivência das comunidades cristãs.
Ligando oração e apostolado, relançou a Igreja e a missão. Assim o quis recentemente o Papa Francisco, retomando-o como Rede Mundial de Oração do Papa. E os mesmos frutos reaparecerão decerto.
Irmãos caríssimos: Aqui mesmo, nesta abençoada terra de Fátima, ligaram-se magnificamente a oração e a missão. Rezar, rezar muito, e anunciar a misericórdia divina pelo Coração Imaculado de Maria, foi o que os Pastorinhos ouviram e cumpriram. Seja este agora o renovado apelo que levamos daqui. De Deus e Maria a certeza é total. Da nossa parte, total seja também!
Fátima, 20 de outubro de 2019