Bate-papo do Papa Francisco com os jesuítas de Chile...
1. Quais foram as grandes alegrias e as grandes dores que teve durante o seu pontificado? As coisas não me tiram a paz, mas o que sinto muito são as fofocas. As fofocas doem, e me deixam triste.
2. Que resistências encontrou no seu pontificado e como as viveu e discerniu? Muitas vezes eu pergunto a uma pessoa: “O que você acha disso?” Isso me ajuda a relativizar muitas coisas que nascem de um mal-entendido... Ajuda-me muito a examinar bem o significado das disputas. Agora, quando percebo que há resistência real, sofro. O famoso “sempre foi assim” reina em todos os lugares: “Se sempre foi assim, para que mudar?” Esta é uma grande tentação. As resistências depois do Concílio Vaticano II, ainda presentes, levam a relativizar o Concílio.
Há resistências doutrinais... Às vezes eu me pergunta: mas esse, essa, leu o Concílio? E se o leu, não o entendeu; cinquenta anos depois! Nós estudamos filosofia antes do Concílio, mas tivemos a vantagem de estudar teologia depois. Vivemos a mudança de perspectiva, e já havia os documentos conciliares.
Quando percebo resistências, procuro dialogar, quando o diálogo é possível, pois alguns acreditam ter a verdadeira doutrina e acusam você de ser herege. Quando não encontro bondade espiritual, eu simplesmente rezo por elas.
3. Muitos identificam a Igreja com os bispos e os sacerdotes, e são muito críticos com alguns deles pela maneira como vivem, pela restrição à participação das mulheres e o espaço limitado que se dá às minorias... O que nos propõe para aproximar a Igreja hierárquica das pessoas comuns? O maior dano que a Igreja na América Latina pode sofrer atualmente é o clericalismo; não dar-se conta de que a Igreja é todo o santo povo fiel de Deus, que é infalível in credendo. A graça da missionariedade tem a ver com o batismo, não com a ordem sagrada ou com os votos religiosos.
Há muitos sacerdotes, religiosos e religiosas que se jogam por completo na opção conciliar de se colocarem a serviço do povo de Deus. Em outros, os comportamentos principescos ainda estão em vigor. O povo de Deus deve ter o seu devido lugar. E podemos pensar a mesma coisa sobre a questão das mulheres. A mulher deve dar à Igreja aquela riqueza que von Balthasar chamou de “dimensão mariana”. Sem essa dimensão, a Igreja permanece preguiçosa ou precisa usar muletas, e assim caminha mal.
4. Na Evangelii Gaudium nos colocou em guarda contra o perigo do mundanismo. Em que aspectos, como jesuítas, deveríamos estar mais atentos? O beneditino dom Ascar Vonier fala do mundanismo como o pior mal que pode acometer a Igreja. Santo Inácio fala dele nos Exercícios, no terceiro exercício da Primeira Semana, onde pede para descobrir os enganos do mundo. O tema do mundanismo está na nossa espiritualidade jesuíta. As três graças que pedimos nessa meditação são o arrependimento dos pecados (dor dos pecados, vergonha e o conhecimento do mundo). Na nossa espiritualidade, o mundanismo entra como algo a ser levado em consideração e a ser considerado como uma tentação. Seria superficial afirmar que o mundanismo é levar uma vida muito relaxada e frívola. Estas são apenas consequências. Mundanismo é usar os critérios do mundo. Santo Inácio nos propõe fazer três pedidos: ao Pai, ao Filho e a Nossa Senhora para que eles nos ajudem a descobrir esses critérios. Cada um, portanto, tem que descobrir o que é mundano em sua própria vida.
5. O senhor tem sido um homem de reformas. Em que reformas, além da cúria e da Igreja, nós como jesuítas, podemos apoiá-lo melhor? Acredito que uma das coisas que a Igreja mais necessita hoje é o discernimento. Nós estamos acostumados ao “pode ou não pode”. A moral usada na Amoris Laetitia é a mais clássica moral tomista. Eu também recebi na minha formação essa maneira de pensar: “pode ou não pode, até aqui pode, daqui em diante não pode”.
Se vocês derem uma olhada no panorama das reações suscitadas pela Amoris Laetitia, verão que as críticas mais fortes contra a Exortação são sobre o capítulo oitavo: uma pessoa divorciada pode ou não pode tomar a comunhão? A Amoris Laetitia vai por um caminho totalmente diferente, não entra nessas distinções e coloca o problema do discernimento, que já estava na base da moral tomista. A contribuição que eu gostaria de ter da Companhia de Jesus é ajudar a Igreja a crescer no discernimento. Hoje, a Igreja precisa crescer em discernimento. E o Senhor nos deu essa graça de família para discernir. No final do generalato do Ledochowski, a obra máxima da espiritualidade da Companhia era o Epítome. Ali estava regulado tudo o que você tinha que fazer, num texto que misturava a Fórmula do Instituto, as Constituições e as regras. Ledochowski era muito amigo do abade geral dos beneditinos e, certa vez em que foi visitá-lo, levou-lhe aquele texto. Pouco tempo depois, o abade entrou em contato com ele e disse: “Padre Geral, com isso vocês mataram a Companhia de Jesus”. E ele tinha razão, porque o Epítome tirava qualquer capacidade de discernimento.
Depois veio a guerra. O Pe. Jansens dirigiu a Companhia no período do pós-guerra; não era fácil. Depois tivemos a graça do generalato do Pe. Arrupe, com o Centro Inaciano de Espiritualidade, a revista Christus e o impulso dado aos Exercícios Espirituais, renovando essa graça de família que é o discernimento. Ele revogou o Epítome, e voltou às lições dos pais: Fabro, Inácio... Devemos reconhecer o papel da revista Christus e o do Pe. Luis González, com seu centro de espiritualidade. Ele percorreu toda a Companhia dando exercícios espirituais. Lembrando esta história de família, houve um momento em que tínhamos perdido - não se usava muito - o sentido do discernimento. Hoje devemos dá-lo à Igreja, que tanto precisa dele.
6. Qual a ajuda que a Companhia está dando no seu pontificado? Como tem sido a sua relação com a Companhia? Desde o segundo dia, depois da minha eleição, o Pe. Geral Adolfo Nicolás veio em Santa Marta... Aí começou a colaboração. Ele veio me saudar. Eu ainda estava no quartinho em que estava durante o Conclave, – não o que tenho agora – e conversamos ali por algum tempo... Adolfo e agora Arturo apostam fortemente nisso. A disponibilidade é total. E, além disso, com inteligência, como, por exemplo, sobre a Doutrina da fé. Mas, ninguém pode acusar o atual pontificado de “jesuitismo”. Trata-se de uma colaboração eclesial, dentro do espírito eclesial. É um sentir com a Igreja e na Igreja no respeito ao carisma da Companhia. Os documentos da última Congregação Geral não necessitaram de aprovação pontifícia. Eu não considerei que fosse necessário, porque a Companhia é adulta. E se desse um fora... a crítica logo viria e depois se veria o que fazer. Penso que essa é a maneira de colaborar.
Bem, eu agradeço muito... e quero dizer-lhes uma coisa muito importante, uma recomendação: A conta de consciência! Para os jesuítas é uma joia, uma graça de família... Por favor: não a deixem de lado.
Meu comentário. Ficaram de lado problemas candentes da Igreja chilena: 1. Hierarquia desvinculada do povo de Deus... 2. Problemas do Cardeal Ezzatti com alguns jesuítas professores da Universidade Católica...; 3. Bispo de Osorno, Juan Barros encubridor de padres pedófilos...