A VIDA QUE RESSURGE DAS CINZAS... (Cf. Pe. A. Palaoro SJ)
No entanto, a Quaresma litúrgica é tempo pedagógico e terapêutico para preparar as entranhas e mobilizar o nosso coração frente o acontecimento central de nossa fé, a Páscoa. Tempo que provoca uma sacudida em nossa apatia, em nosso andar por inércia...
Antes de empreender o caminho quaresmal é necessário inclinar um pouco a cabeça e receber o perfume de nossas cinzas. Tal e como Jesus nos recomenda no Evangelho de hoje, não se trata de des-figurar nosso rosto, mas de nos deixar trans-figurar.
As “cinzas” são o símbolo daquilo que morreu e foi reduzido à sua expressão mínima. Eis a nossa garantia: aquilo que passa pelo fogo é renovado. Animar-nos para converter em cinza tudo o que é caduco e ultrapassado em nós, esvaziados de nossas falsas seguranças e ilusões.
Das cinzas surgirá a oportunidade de uma nova vida, mais aberta e expansiva; viver com mais intensidade e criatividade.
Quê cultivar nestas próximas semanas quaresmais?
Deserto: atitude de silêncio e esvaziamento para não viver de atração em atração.
Oração: busca do Deus compassivo em sintonia com Aquele que se revelou Mestre e Guia.
Esmola: amor compassivo que se faz presença junto àqueles que mais precisam.
Jejum: resposta austera a um mundo que constantemente excita os apetites.
Conversão: saída da acomodação, deslocando-se em direção a uma vida mais comprometida com a justiça evangélica.
No Evangelho que abre o tempo da Quaresma, Jesus nos convida a praticar de coração as disciplinas espirituais da oração, do jejum e da esmola.
A palavra “disciplina” vem da mesma raiz de “discípulo”. É o modo de proceder proposto pelo mestre a seu discípulo. Há disciplinas desportivas, artísticas, científicas... Ser discípulo de Jesus é segui-lo, escutá-lo, amá-lo e viver as “disciplinas” que nos propõe.
O problema é que as “disciplinas quaresmais” estão muito desgastadas na Igreja porque foram transformadas em leis e obrigações. As três disciplinas espirituais da Quaresma (oração, jejum e esmola) encontram sua relação com as três dimensões do amor: a Deus, ao próximo e a si mesmo.
A oração nos ajuda a amar a Deus e a entrar em sintonia com Sua vontade. A vivência da oração e de todas as disciplinas associadas a ela, como o silêncio, a solidão, a reflexão, a meditação bíblica, a contemplação, a participação na liturgia da comunidade, a leitura de um livro espiritual nos preparam e nos ajudam a entrar no fluxo da ação amorosa de Deus, no mais profundo de nosso ser.
Esmola: a palavra “esmola” soa mal. O termo “esmola” deriva do grego “eleéo”, “ter piedade”, cuja forma imperativa “eleéson” figura no “kyrie”. Antes que possamos ter piedade dos outros é Deus que teve piedade de nós. A esmola não se reduz a um gesto de ordem apenas material: ela manifesta “um ato que indica o fazer-se companheiro de viagem de quantos se encontram em dificuldade”, participando na sua situação, com ternura. O sentido não está em dar coisas, mas fazer-se dom. É um estímulo a superar o assistencialismo, que mantém as diferenças, sustenta a dependência e não promove a cidadania.
Esmola provoca solidariedade e nos move ao serviço, à prática do bem e da justiça.
Finalmente, o jejum nos leva a amar-nos mais a nós mesmos. Há muitos tipos de jejum (terapêuticos, políticos (Gandhi), solidários...)
Para muitos, o jejum clássico da comida continuará sendo um grande meio, mas para outros o jejum difícil será será, por exemplo, desconectar-se um pouco das redes sociais, livrar-se de um vício ou afeto desordenado, controlar a língua e não falar mal dos outros, etc. Desintoxicar-se, desconectar-se, desapegar-se, desprender-se... Ser pessoas mais equilibradas, autônomas e livres.